Apesar de todas as greves, bloqueios e reivindicações, somos uns privilegiados em relação ao resto do mundo e ao nosso passado. Se o quisermos revisitar, podemos ir visitar o terceiro mundo e ver como é viver sem água canalizada, electricidade, saneamento básico. Sem ter escolas, hospitais, e tribunais a meia hora, ou menos, de caminho. Ou então viver sem auto-estradas, segurança social, televisão (a cores) por cabo e internet de banda larga. Habituámo-nos mal. Pensámos que todas essas conquistas eram direitos adquiridos e que nos iriam acompanhar até ao túmulo. Quem não quiser viajar, pode perguntar às gerações mais velhas como era, por exemplo à minha. Ainda não cheguei aos cinquenta, mas lembro-me de ver gente descalça na rua. De gente que não tinha frigorífico em casa, ou televisão, ou esperança de os ter.
Muito mudou. Aqui e em muitos países. Nós pensamos que os nossos direitos, o nosso estilo de vida, são irreversíveis. Os outros, os que vivem na Índia, ou na China, ou no Brasil, e que nos observam com inveja, acham não só que também têm direito mas que verão as suas esperanças realizar-se em breve. Talvez assim seja, embora todo esse processo tenha um custo. Desde logo, ambiental. A um ponto tamanho que, de repente, passou a parecer boa ideia fingir que Al Gore é lunático e alarmista. Outro custo é a crescente tendência para a harmonização de preços, nesta gigantesca rede de vasos comunicantes em que se transformou o comércio mundial. A coisa, dirão, parecendo mal para as nossas empresas, tem funcionado bem para os consumidores, para a maioria de nós. Perdemos empregos, parece óbvio, mas aumentámos o nosso poder de compra. E o Estado Social lá está, para garantir que podemos comer os figos sem correr o risco de nos rebentar a boca.
Era assim, mas outras coisas mudaram. Os vasos comunicantes, afinal, não funcionavam apenas para a harmonização dos preços. Tinham para além disso tendência para interferir com salários e condições sociais. É por isso que se congelam aqueles e se começa a falar em semanas de 48 horas, ou mais. Muito mais. Quase tantas horas de trabalho quantas as que se usam no extremo oriente. E férias, vamos falar de férias? Se nos Estados Unidos tiram duas semanas e no Japão uma (às vezes de dois em dois anos), teremos condições para nos agarrarmos aos direitos adquiridos dos vinte e dois dias úteis (vinte e cinco se não faltarmos), fora os dias santos, feriados e pontes do preguiçoso calendário nacional?
Não sei. Nem sei por quanto mais tempo poderemos reivindicar essas regalias e se teremos força para as impor. O que sei é que, enquanto pudermos, devemos usufruí-las. Nem que seja para daqui a vinte anos poder (eu) contar aos netos: “antigamente, quando queria tirava dois meses de férias das minhas crónicas do Interior”. Já no escritório, infelizmente, é outra história.
Boas férias a todos. Até Setembro.
Por: António Ferreira