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De engenheira zootécnica a queijeira vai um salto de pardal

Célia Silva tomou «a decisão» da sua vida há cerca de seis anos e regressou a Vide-entre-Vinhas para abrir uma queijaria

Desde cedo que o bichinho da agricultura começou a tecer das suas. Das memórias de infância, Célia Silva recorda que o sábado era um dia sagrado. A família pegava no carro e viajava até Vide-entre-Vinhas, a cerca de sete quilómetros de Celorico da Beira, para visitar os avós que tinham um rebanho de ovelhas. «Eu andava sempre atrás da minha avó. Ia com ela buscar as ovelhas e tudo», lembra a queijeira de 34 anos, que quando era pequena chegou a ajudar na árdua tarefa de espremer o queijo. Mas nessa altura não era apreciadora de queijo. «Não gostava mesmo», revela a empreendedora, que hoje come algum, mas diz gostar mais de enchidos e presunto.

Este negócio ancestral de família estaria com os dias contados, não fosse a atitude destemida desta engenheira zootécnica que resolveu deixar uma vida pacata em Vila do Conde, onde trabalhava numa cooperativa agrícola, e regressar de malas e bagagens à sua terra natal. O gosto pelos animais e pelo campo falou mais alto e na flor da juventude, com apenas 28 anos, Célia Silva criou a Casa Agrícola dos Arais com a ajuda dos pais. Hoje, com 34 anos, não duvida que seguiu o caminho que, podendo não ser o certo, é o que a faz feliz: «É mesmo disto que eu gosto», confessa, entre risos. Mas a vida do campo não é pêra doce. A empresária levanta-se todos os dias por volta das 6h30. Ainda o sol não nasceu e Célia Silva já anda de mangas arregaçadas na queijaria para filtrar o leite. Depois de encaminhar as coisas, a empreendedora volta a casa para preparar a pequena Leonor, a sua filha de cinco anos, e levá-la para a creche. Dá mais uma corrida até à queijaria para lavar e fazer queijo ainda da parte da manhã.

Na sala de produção, o aparato moderno está muito distante do modo tradicional que aprendeu com a avó e, entre tentativas e erros, Célia Silva foi aprendendo a fazer queijo certificado à escala do século XXI. Mas há coisas que resistem e a herança familiar nunca é esquecida. O queijo ali ainda é todo espremido manualmente, «é um trabalho um bocadinho pesado», confidencia Célia Silva, que tem pouco tempo para descansar. Desde levar os animais para as pastagens a fazer as camas das ovelhas, passando pela recolha do leite ou pela ordenha (que é feita de manhã e à noite), trabalho não falta e nem a chuva serve de desculpa para ficar parado. «Com o frio é mais complicado levar as ovelhas para as pastagens», confessa Célia Silva, mas logo acrescenta que «há trabalhos que têm que ser feitos faça chuva ou faça sol».

Célia Silva chega a trabalhar «14 a 15 horas» e não tem domingos nem feriados: «Trabalharmos por nossa conta nunca é fácil, é preciso trabalhar todos os dias», admite a empreendedora, dizendo que o que lhe vale é ter a ajuda do pai, de duas funcionárias na queijaria e, desde que se separou do ex-marido, da irmã. Mas na hora de fazer o queijo e tratar dos animais não há mãos a medir e toda a ajuda é pouca. É por isso que a mãe da queijeira, que é mediadora de seguros, às vezes «também dá uma ajuda na ordenha». Com um rebanho de 200 ovelhas da raça bordaleira, Célia Silva diz que «são mais do que negócio, às vezes é quase como um animal de estimação». Mas é da altura em que nascem os borregos que a queijeira mais gosta. «Nos meses de outubro e novembro chegamos a ter 150 borregos», revela a empresária, que acompanha sempre essa fase «porque uma pessoa tem que andar em cima deles para ter uma taxa de mortalidade baixa e para que corra tudo bem».

E o carinho é tanto que há ovelhas que até têm direito a nome. «Já tivemos uma Carlota, que vinha do rebanho do meu avô e tinha uns chocalhos muito grandes; uma Bicicleta, que andava de maneira esquisita; e uma Careta, que tinha uma cara muito estranha», recorda Célia Silva, entre risos. Mas nesta vida todos os dias são uma aventura: «Uma pessoa às vezes programa o dia, mas as coisas nunca saem como queremos», admite a queijeira, revelando que, às vezes, o dia é mais longo porque «as ovelhas fogem do sítio onde as deixámos e temos que andar à procura delas». Ainda assim nem os percalços fazem com que Célia Silva baixe os braços, pelo contrário. «Esta atividade já é para o resto da vida, pelo menos estou a fazer por isso», assegura a empresária, que espera, como diz a canção, que seja um trabalho «para a vida toda».

E o que podem econtrar as pessoas na Casa Agrícola dos Arais? «Temos queijo, requeijão e o rebanho», responde Célia Silva, segundo a qual o que oferecem de diferente «é o facto de trabalharmos com gosto e termos um produto de qualidade». Apesar da alquimia do queijo ter muito que se lhe diga, a produtora garante que o objetivo é sempre o mesmo: «Ter queijo mais ou menos homogéneo durante o ano e de qualidade, que nos tem distinguido e feito com que clientes voltem e continuem a adquirir o nosso produto», afirma.

Uma vida ingrata que poucos querem

Quanto ao futuro, Célia Silva tem algumas reservas. «Porque é que muitos filhos de agricultores não dão seguimento ao negócio dos pais?», questiona a queijeira, garantindo que conhece pessoas «que gostam de agricultura, mas que não investem por saberem que não é lucrativo e que não é um trabalho valorizado». Por agora, a jovem empreendedora espera que «o queijo suba de preço» e que, assim, «se possa pagar um preço mais justo ao produtor». Embora considere que é uma vida ingrata, «não temos o tempo que gostaríamos de dedicar à família, aos amigos, a nós», diz ser recompensador «quando há pessoas que elogiam o produto que temos, isso faz-nos ver que vale a pena». Entretanto, este fim-de-semana o queijo Serra da Estrela é “rei” em Gouveia e Seia.

Sara Guterres É no meio dos animais que Célia Silva se sente realizada e espera, como diz a canção, que este trabalho «seja para a vida toda»

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