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D. João II e a Caixa

D. João II, para muitos o maior governante da História de Portugal, imortalizado como o grande impulsionador da viagem marítima à Índia, ficou também conhecido por ter afirmado, ao subir ao trono, que seu pai, D. Afonso V (conhecido como o “Africano”), lhe tinha deixado apenas as estradas – o resto do território teria sido distribuído pela nobreza como recompensa pelo contributo para nas conquistas militares em África. Imaginemos que D. João II, 500 anos depois, regressa a Portugal. Para além de poder estranhar o apelido do Presidente da República, a sua grande surpresa, e desencanto, seria talvez que este seu sucessor poderá deixar de ser em breve “Rei das Estradas de Portugal”. Mas nem tudo seriam tristezas, porque descobriria, entretanto, que, em vez das estradas, o rei tinha agora a Caixa Geral de Depósitos.

Mas deixemos na paz de Deus aquele grande Rei de Portugal e voltemos à governação real. O papel do Estado evoluiu muito desde o século XVI. No entanto, mesmo vivendo neste século, não podemos deixar de ficar perplexos com a actuação do Estado português ou com o espaço que ele escolhe para essa actuação. As três grandes funções do Estado são a afectação de recursos (onde os privados não têm incentivo para o fazer), a distribuição do rendimento (promover uma maior igualdade entre os cidadãos) e a estabilização económica (enfrentar as crises económicas). Neste contexto, e vivendo neste mundo, em pleno século XXI, é difícil perceber porque é que o Estado mantém a propriedade integral do maior banco português.

A Caixa Geral de Depósitos não é conhecida por ter contribuído para a promoção da eficiência do sector, nomeadamente através da criação de práticas que servissem de referência para os outros bancos, antes pelo contrário. Nem por ter concentrado a sua actividade no apoio às famílias e empresas com maiores dificuldades no acesso ao crédito. Finalmente, a Caixa não deve, nem pode ser o substituto do Banco Central que já não temos – com capacidade de influenciar a política monetária, quero dizer.

Então por que motivo é que o Estado insiste em ser o dono exclusivo da Caixa Geral de Depósitos? Alguns apologistas desta “política” dizem que dessa forma se compensa a perda de outros instrumentos de política económica. Dizem outros que a privatização lançaria um centro de decisão nacional nas mãos do capital estrangeiro e Aqui-d’el-rei.

Pelas notícias a que assistimos, o Estado utiliza a Caixa para continuar a influenciar directamente o sector financeiro e, indirectamente, os mercados em que a CGD tem participações em empresas (veja-se, por exemplo, a recente intervenção do Estado na OPA da SONAE sobre PT), incluindo a indústria de refrigerantes. Viagens destas não patrocinava D. João II.

Por: Fernando Alexandre

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