1. Depois de seis meses de prisão preventiva, José Sócrates recusou a pulseira eletrónica. Independentemente de tudo o que ocorreu a seguir, das opiniões e das decisões, o ex-primeiro-ministro levou ao extremo a sua posição de força, qual mártir da liberdade detido injustamente, para contestar todo o processo. Sócrates sabe que tem de continuar a sua vitimização e para isso tem de estar detido. Para ele, a melhor forma de enfrentar a acusação é através de um martírio e de um sofrimento sobre-humano – ele é ele mesmo e as suas circunstâncias, como diria Ortega Y Gasset, e o processo contra ele é fruto das circunstâncias e, em concreto, da circunstância de ser ex-primeiro-ministro que gerou ódios e paixões, inimigos e camaradas, detestado por uns e adorado por outros. Aliás, à volta de Sócrates nunca há unanimismos, tudo o que se diga ou escreva sobre ele provoca divisão e reações elevadas ao extremo – a favor ou contra. O animal feroz é tudo isso: acusado, acossado, corrupto ou inocente… Antes partir que torcer… Pode não sair da prisão em ombros, mas arrasta a justiça para um campo delicado e em que o Ministério Público terá, com muito denodo e trabalho, de provar os argumentos da acusação. E dar explicações.
Mais do que a vitimização, com esse gesto Sócrates quis mostrar ao país «o que se está a passar com a Justiça». Com esse gesto, com a recusa, passou uma mensagem: mais importante do que a própria liberdade é evidenciar o estado em que está a justiça em Portugal e ele, uma vítima desta justiça, não faz cedências, porque isso arruinaria a imagem de mártir que quer construir. Acusado de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, Sócrates não está preso por ser político, está preso por haver indícios e porventura provas de que ele cometeu de facto esses crimes. E é nos crimes que a justiça tem de manter o foco, tudo o mais é circo.
2. O clima de guerrilha habitual durante anos no Hospital Sousa Martins parece estar de volta. Depois de alguma “tranquilidade” volta a haver quezílias e aversões a serem discutidas na praça pública. Mas muito pior que a expressão de divergências ou birras (e pior inclusive que as cartas e processos internos) é o processo que levou os cirurgiões a Tribunal na última semana. Um cirurgião processou todos os médicos da especialidade e, inacreditável, o serviço de cirurgia do Sousa Martins ficou praticamente paralisado enquanto 10 cirurgiões estavam a dirimir diferenças no tribunal (que aliás não dirimiram pois acabaram por chegar a acordo). A situação seria cómica se não tivesse consequências sobre as pessoas, se não houvesse necessidade de operar doentes, se não existissem intervenções previstas, mas, porque falamos de saúde, é inenarrável que um médico possa ter atritos com todos os seus colegas de especialidade e é inacreditável que, supostamente como pessoas civilizadas, não consigam resolver amuos, divergências e ultrapassar injúrias sem terem de recorrer à Justiça. E o mais extraordinário é que na área do poder há quem dê ouvidos e crédito a quem perde tanto tempo com estes desvarios e esta postura profissional.
Os cidadãos (os doentes) não podem ficar dependentes de arrufos e afrontas entre profissionais, que deviam ter um pouco mais de elevação e categoria na sua postura e ato profissional; a civilidade tem de se impor ao desrespeito de uns para com os outros.
Luis Baptista-Martins