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Sonhar a três

Mais conhecido pelo balofo «O Último Tango em Paris», Bernardo Bertolucci continua, ainda hoje, depois de vários falhanços consecutivos, a fazer parte da lista de realizadores respeitáveis para grande parte do público cinéfilo. Há nomes assim, pouco interessando a pouco estimulante filmografia recente. O público continua lá. Esperando por algo que muitas vezes até acaba por não chegar. Para quem não deixou de acreditar , «The Dreamers – Os Sonhadores», é um bálsamo. Um suspirar de alívio. Afinal valeu a pena a espera.

Para todos, estes será facilmente visto como um filme homenagem. Para uns à revolução do Maio de 68, que, e recorrendo a uma recente polémica nacional, talvez não tenha trazido afinal a esperada evolução desejada. Para outros, a homenagem é feita, não à Geração desse 68, mas a quem, muito antes ou muito depois, nasceu numa rua dos Champs Elysées, em 1959, e aprendeu, como primeiras palavras, a dizer (gritar!) New York Herald Tribune. Um nascimento feito nas filas da frente de uma sala escura de cinema, ao som da voz de Jean Seberg. Em primeira mão!

Os sonhadores são três. Theo e Isabelle, ele e ela, irmãos gémeos, e Matthew, o americano, num papel seguro da nova promessa Michael Pitt, o muito provável Kurt Cobain no futuro projecto de Gus Van Sant. Presenças assíduas na Cinemateca Francesa, habituados a tudo ver pelo filtro de um ecrã, no conforto e segurança das cadeiras de uma sala de cinema, não é estranho que tudo lhes passe ao lado. Encerrados numa enorme casa burguesa, enquanto uma revolução tem lugar nas ruas à sua volta, os três descobrem-se. Tacteando, a medo, corpos e ideias, por entre infantis jogos que mais não servem senão para que os desejos se transformem em palavras. Em convites feitos à sua satisfação. E tudo isto filmado tão elegantemente, com tanto estilo e bom gosto, que nos surge, de assalto, a meio do seu visionamento, que «já não se fazem filmes assim». Uma frase destas, que inconscientemente surge, só para os menos exigentes soará exagerada. Com este filme, Bertolucci vai deixar muitos à sua espera, sem desistir, por muito tempo, se tal for necessário, mesmo com obras menores que surjam pelo meio.

Paz e o sexo

Sem Paz Vega este filme era uma grandessíssima seca. O filme é «Carmen», de Vicente Aranda, inspirado na famosa ópera de Bizet, e Paz Vega transforma o que não passaria de algo banal em duas horas onde sexo, erotismo e sensualidade transpiram pelo ecrã, não deixando ninguém indiferente. Ao longo do filme não será apenas um sargento basco a perder a cabeça por esta «satânica» mulher. Nunca Carmen nos surgiu tão fatal, capaz de tudo obter, desde que tudo aquilo que deseja esteja em poder de um homem.

Com altos e baixos que pouco ajudam o filme, a realização de Aranda quase sempre se limita a, de forma automática, mostrar o que há a mostrar e nada mais para além disso. Se, aquando da presença de Paz Vega isso é suficiente, tal é o seu poder de atracção, não deixando espaço para que nada mais aconteça, tal fragilidade é bem visível na sua ausência. Depois do surpreendente «Lúcia e o Sexo», onde Paz Vega mais se fez notar, «Carmen» surge agora para confirmar essa promessa. Esperam-se agora os grandes papéis, para a mulher que Penelope Cruz daria tudo para ser.

O filme não é realmente grande coisa, mas, a resposta, à pergunta feita, no final, ao sargento caído em desgraça, se preferia nunca ter conhecido Carmen, só poderá ser uma, dada em uníssono: não, nem pensar!

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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