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Como se fôra seu filho

Bilhete Postal

De José Sócrates para o seu filho em 2011:

– Vês estes tipos que se passeiam nas ruas de Lisboa? Vês o ar distante que levam e o sossego e a tranquilidade que emanam? São tipos sem emprego há dez anos. Criei-os eu.

E vês estas fábricas fechadas? Estes espaços de terreno enormes para o imobiliário? Fui eu que as fechei. E isto é uma fábrica pai? Pergunta o rapaz olhando um enorme edifício em H. Não , isto era um hospital e os médicos chupavam muitas horas extraordinárias ao Estado, e passavam muitas baixas, e havia muitos doentes, fechei isso tudo, acabei com isso tudo, e se olhares da janela para a encosta do aqueduto lá estão as barracas deles todos. São novas, de novos materiais, com TV, e fui eu que as criei. O Colombo fechou por falta de clientes e hoje é um hotel para pobres, o maior da Europa, e onde distribuímos a melhor sopa dos pobres do mundo. Em Portugal acabou a obesidade e a diabetes. Vês estas estradas sem alcatrão? Foi a solução que encontrei para a crise petrolífera, e para acabar com os carros em Lisboa. Também consegui fechar muitas empresas de construção civil. E este “cinzento escuro” que invadiu Lisboa, meu filho. É uma cor nova, a cor do Portugal real, o “cinza choque”, o “cinza cerebral”. Mas parece feio, pai – disse o rapaz espantado. Se ninguém pintar as casas ficam todas iguais meu filho, e essa característica ganhámos para Lisboa. No próximo Verão o padrão de arrefecimento é o “sem janelas”. Afinal as pessoas refrescam-se muito e consomem energia. Sem janelas resolvemos a coisa.

A minha política ficará para a história. Nós reduzimos o défice. Nós acabámos com a indústria, nós acabámos com a saúde gratuita, nós destruímos a rede escolar “de borla”, nós fechámos muitas das conquistas vaidosas dos municípios. Nós pusemos Portugal mais equilibrado, menos poluído, mais igual para todos. Somos o país que mais empresas fechou, que mais impostos recolheram. Olha que até os desempregados com heranças pagam, até os cães quando ganham concursos, pagam. Agora com os preços automóveis já vai tudo de transporte público. Agora já não há telemóveis e a maioria das pessoas regressou ao aquecimento a lenha. Assim temos menos fogos, mais florestas desbravadas. Consegui que se criassem hortas nas varandas. O povo poupa como no tempo do bisavô.

– E não te chateia eu ir procurar emprego na Suíça? E não te aborrece esta conversa a caminho do aeroporto? E não sentiste a nossa falta quando estudávamos no estrangeiro?

Por: Diogo Cabrita

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