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CHC-EPE

O lugar onde trabalho é um espaço nobre de tratamento de pessoas da margem esquerda do Mondego. “Os Covões” estão associados com a Maternidade Bissaya Barreto e com o Hospital Pediátrico. Neste caso a hidra tem uma maior cabeça que é o Hospital dos Covões onde tem mais funcionários, mais atendimentos, mais Urgências e mais doentes. A Maternidade, é preciso ter em conta que ser mãe não é doença, é uma Unidade que gera baixo índice de valoração por doente. E hoje os Hospitais são índices, são códigos e são empresas de produzir saúde com rendimento alto sem perdas de energia significativas.

Na gestão do CHC há hoje muito mais gente que no passado. Onde o Dr. Namora foi único estão hoje mais de doze pessoas como gestoras. O que faz um gestor hospitalar? Tem um gabinete onde através de um terminal de computador observa números, com alguma sorte cruza alguma informação e munido dessa arma transmite pareceres para o Conselho de Administração. Do que conheço não falam, não argumentam, não se sentam com os técnicos. Como se um treinador nunca fosse ao estádio ver os jogadores. Delirante, mas verdadeiro. E todos ganham salários acima de um médico sem exclusividade com quinze anos de casa. Motivador, não?

No Conselho de Administração o histórico tem pouca relevância, não se fazendo comparações ao trabalho que anteriormente as mesmas pessoas geriam, com cargos iguais, mas em processo jurídico distinto. As horas extraordinárias, que foram um disparate no passado, e nunca os mesmos ousaram discutir, são hoje uma fonte de atrito e aspereza. Há até o caricato de ver Chefes de Serviço (topo de carreira) a contarem horas extraordinárias em vez de o fazerem os trabalhadores competentes para o efeito. Afinal a análise das horas é um processo histórico. Existiam por falta de gente? Existiam porque se usavam indevidamente? Havia quem as fizesse fraudulentamente? As Urgências obrigaram a criar quadros de pessoal muito superiores aos necessários para cumprir com esse Serviço e essa estratégia. A análise sobre horas extraordinárias não foi feita e as respectivas decisões sobre os seus resultados nunca foram demonstrados. Os salários foram construídos incentivando horas, uma vez que eram sempre de valor muito inferior à média europeia. A exclusividade foi a grande bandeira cavaquista que não trouxe qualquer benefício e está por monitorizar e avaliar. Inconclusiva afinal. Possivelmente uma medida que custou milhões sem aumentar rentabilidade.

O CA do CHC-EPE vive afogado na ideia da poupança. Aqui não há estratégia, não há grandes linhas orientadoras, não há objectivos macro definidos, mas há um sonho – fazer saúde de borla, ou gastando o mínimo de recursos.

Não percebemos a estratégia para os Serviços e há Serviços em duplicidade em Coimbra. Não compreendemos a rede oncológica de que se fala e fazem-se investimentos sem definição prévia dos caminhos. Vamos ser parte da rede? Vão retirar-nos a oncologia? Não estando definido o óbvio criam-se departamentos obsoletos, com características absurdas, não científicas, não orientadas para o doente. Somos o único lugar de Portugal onde há um Departamento de Pedopsiquiatria. Vale tanto como o restante Hospital Pediátrico no todo, ou a Maternidade inteira, outros dois departamentos.

Entre os oito departamentos assim criados e os funcionários não há qualquer chefia intermédia e por essa razão das 18 às 08 o governante máximo do CHC é o chefe de equipa da urgência. Mas este desenho vem de que mente brilhante? Falou com alguém, discutiu o desenho com quem? É o legitimar do devaneio sem exigir pelo menos a discussão pública.

Os novos administradores, os que em grupo substituíram um único, têm a característica de nunca serem vistos no terreno que gerem por ecrãs. Não conversam com os técnicos, não perguntam nada e deste modo compram produtos ou anulam outros por decisões que ninguém sabe de quem.

Por exemplo, a Consulta Externa tinha começado há dois anos a trabalhar com o programa SAM e o nível de adesão dos técnicos começava a ser elevado, com a chegada de agendamentos e de diários escritos em computador a valores excelentes. Ainda não está este processo e esta aprendizagem feita e compram o ALERT, outra aplicação informática associada com índice biométrico. Aqui coloca-se o dedo identificando o funcionário. As vantagens são apenas administrativas, porque o ritmo da produção só muda com a adesão das pessoas aos projectos e as pessoas cada dia estão mais distantes da mudança. No resto o SAM identificava por número mecanográfico e palavra passe e permitia fazer toda a contabilidade que o ALERT trará, sem dependência de uma entidade privada externa a tudo isto. Assim se gastaram milhares de euros.

É a Administração das compras tecnológicas e dos encerramentos históricos. Não podemos esquecer o encerramento da creche – uma medida simbolicamente negativa. Não podemos esquecer a resolução da mata com o seu abate. Um modo também simbólico de governar. Mas há um plano para a aridez actual? Nada, apenas a imagem de uma série de clareiras lembrando os montes de Porto Santo. O maior dos investimentos foi na Urgência. Tecnológica, enorme, e ao que se sabe muito cara em pessoal.

Hoje os Covões têm mais doentes a chegar às suas urgências que no passado, são mais de sessenta e são cada dia mais triáveis por amarelos e laranjas. Vêm dos SAP fechados, vêm dos Hospitais Distritais moribundos e transportam o desespero de quem vê as suas situações piores. A mudança em torno do CHC-EPE não se faz a par com o aparecimento das Unidades de Saúde Familiar nem com os Serviços de Urgência Básicos (que afinal não apareceu nenhum até ao momento). Pior que isso, não há nenhuma definição dos quadros que lhes serão afectos nem o desenho dos perfis adequados às funções.

A função dos Serviços e as estratégias para os seus desenvolvimentos passam sempre por pessoas e de preferência aquelas que trabalham com a matéria-prima, com a razão única da instituição – os doentes e sobretudo a produção de saúde. Mas se reduzo os quadros, se tenho cada dia menos gente nos Serviços, se não tenho salas operatórias suficientes para desenvolver as funções, se vivo hipotecado pelo Serviço de Urgência, então a primeira medida é resolver esta situação dando-lhe um quadro próprio e libertando recursos para outras tarefas. Há três anos que esse desiderato não chega. Há um aproveitamento indevido de mão-de-obra de jovens num total desrespeito com a formação e com a missão educativa do CHC.

As condições de trabalho do CHC-EPE são ao nível da Hotelaria dignas de um filme de Pasolini, são incompreensíveis após décadas de pedidos de reestruturação. A Hotelaria do CHC-EPE seria imediatamente encerrada se a ASAI quisesse ter uma acção séria, equitativa e transversal. Estamos a competir num mercado global e devemos dignidade aos doentes e aos profissionais. Por tudo isto somos uma Instituição para investir, e não para poupar. Somos uma Instituição que se deve dimensionar às funções, definindo caminhos.

O exemplo de uma mau destino é o Pediátrico.

Hoje prepara-se a abertura de um Hospital moderno colado aos HUC e que pela lógica da envolvência será independente da estrutura CHC de onde partiu. E isto é bom? É o caminho traçado por uma má estratégia de décadas. Os Hospitais pediátricos devem permitir ambiente pediátrico para as crianças serem devidamente tratadas, mas sabemos modernamente que geram pouca capacidade de se financiar (pelo facto feliz de as crianças adoecerem pouco) e devem estar agregados a instituições com capacidade de rentabilizar, mas também de lhes dar mais linhas de tratamento. Assim o Pediátrico será um apêndice dos HUC e a prazo deixará o CHC-EPE.

A Maternidade Bissaya Barreto é outro caso de abandono e de má gestão. A Maternidade devia estar na Margem Esquerda, e nos terrenos da quinta dos Vales há mais de vinte anos. Assim seria mais rica, teria mais disponibilidade de meios e seria forçada a uma maior exposição, que sempre transporta mais ciência. Outra estratégia não menos interessante é pulveriza-la pelas instituições à nossa volta. Mas são essas ideias definidoras, essas linhas estratégicas que nenhum destes gestores nos tem trazido.

O futuro da Saúde passa por um Universo intelectual de cruzamento das ciências, de conhecimento multidisciplinar, e o CHC-EPE podia ter sido um embrião deste novo pensamento. O CHC-EPE podia ter criado departamentos de Luz e Imagem onde a tecnologia seria mais aproveitada, podia ter escolhido Serviços multidisciplinares em vez de Departamentos obsoletos, podia ter enveredado por estratégias de abordagem dos doentes e não das doenças. Criar linhas de desenvolvimento em laparoscopia, em cirurgia maior ambulatória e todas elas seriam sempre multidisciplinares e logo mais eficazes na compra de materiais e na gestão de recursos. Mas aqui como no resto do país não se discute e não se dialoga. Há uma obsessão pela poupança cega e incompreensível. O inimigo não é o trabalho das pessoas, e a eficiência ganha-se no diálogo, na mesa de análise dos resultados. No CHC não parece haver mesa.

A dignidade do trato dos seus profissionais é outro ponto complexo havendo a ausência de percepção da estética e da imagem. Não há uma bata generalizada aos funcionários, não há uma roupa condigna para o Bloco ou a Urgência, a escolha é por uns trapos que amarrotam as pessoas. Levamos as batas para lavar em casa e as socas lavam-se de quando em vez. Esta mesma Instituição clama agora para que se lavem as mãos. Durante meses faltou papel para secar as mãos, e faltam lavatórios acessíveis nas enfermarias. Enfim, os profissionais não são culpados de décadas de incúria e falta de investimentos.

O CHC-EPE falha a compra de medicamentos, falha os concursos de material e constantemente rompe stocks impensáveis, chega vinte anos depois à uni-dose, falhou o tempo certo para evitar os pequenos armazéns, não percebeu há dez anos as vantagens dos códigos de barras, não concretizou protocolos e normas no tempo certo. Hoje estas estão também a cair de uso e falamos nelas. Hoje estamos a dar novamente os passos que podíamos saltar optando por ir mais além e fazendo a projecção para o futuro. Com as “obrinhas” com que vamos enganando os tolos hipotecamos o futuro. O investimento de que necessitávamos ficará nebuloso atrás destes pequenos gastos que agora pouco transformam. Criamos edifícios parasitas d’outros, fechamos janelas e aproveitamos o que devia cair para dar lugar ao novo. E depois falta o acompanhamento das obrinhas que vão dando diariamente surpresas negativas. Aqui rebenta um cano, ali cai uma parede… enfim o barato sai caro.

Estes são exemplos de uma má construção mental que transporta imensa desesperança. O fim das carreira profissionais retira perspectivas de progressão, a ausência de critérios para avaliações gera desconfianças, a falta de condições de trabalho transporta revolta, a vida de nunca receber e só ter crítica e exigências carrega mal-estar. A vida é dar e receber. .

Por: Diogo Cabrita

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