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A oportunidade perdida de Leonel

Viajou no Mercedes de Jorge Sampaio, teve honras nos media e o seu caso deu origem ao primeiro PIEF da região, mas cinco anos depois parece que pouco ou nada serviu

Já passaram cinco anos desde que o “pequeno” Leonel trocou, por uma manhã, o autocarro escolar pelo assento do Mercedes do então Presidente da República, Jorge Sampaio. Uma prenda de Natal “sui generis” que lançou o jovem, na altura com apenas 14 anos, para a ribalta dos media. Leonel Gonçalves emocionou o país com uma história que alertava para a dura realidade de muitas crianças do mundo rural, que não raras vezes são forçadas a abandonar a escola para tratar das lides do campo.

As televisões entraram-lhe pela casa, nos Meios, a uma dezena de quilómetros da Guarda, e imiscuíram-se no seu quotidiano. Leonel levantava-se às 4h30 para ordenhar as cabras, alimentar os cabritos e carregar carros de lenha. Às 7h30 apanhava o autocarro para ir para a escola, na cidade, regressando a casa às 20 horas. Em Outubro de 2002, durante uma Presidência Aberta ao distrito, Jorge Sampaio prometeu ajuda e o seu empenho deu origem a um programa especial de apoio aos jovens em risco de abandono escolar. Leonel e outros 16 jovens foram então integrados no primeiro Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF) da região. No entanto, a oportunidade perdeu-se e levou consigo este rapaz, agora com cerca de 20 anos, que não se adaptou ao curso e às suas exigências. Actualmente, os pais não sabem do paradeiro do jovem. De resto, pouco ou nada mudou na quinta da família Gonçalves, onde residem Luís e Maria da Natividade e os dois irmãos mais novos.

Diariamente, e como que seguindo as pisadas de Leonel, Lúcia, com 13 anos, ruma à Escola da Sequeira, na Guarda, onde frequenta o 7º ano. Percorre a pé o caminho de terra batida e sem luz eléctrica que separa a quinta da aldeia, são quase dois quilómetros. «Mas não há-de ser por muito mais tempo», vai dizendo, Maria da Natividade. «Gastamos muito dinheiro com ela nas senhas dos almoços e nos livros», justifica, acrescentando que, para além disso, a jovem, a mais nova de 15 irmãos, tem que «ajudar mais» nas tarefas da casa e da quinta. O rendimento do agregado familiar não ultrapassa os 250 euros e, como se já não bastasse, João, de 21 anos, foi recentemente forçado a abandonar o trabalho. Regressou a casa, para ajudar na lavoura e cuidar do rebanho de cabras, porque o pai «já não pode». O companheiro «inseparável» de Leonel recorda que o irmão, de quem não tem notícias há muito, nunca foi «de estar parado muito tempo no mesmo sítio».

«Só não fizemos o que não pudemos»

O seu “currículo” de vida parece confirmá-lo. Após ter abandonado voluntariamente o PIEF, Leonel ainda frequentou um curso de Jardinagem, que também não concluiu. Seguiram-se vários empregos. Primeiro numa fábrica de mármores e granitos no Cubo. Mais tarde «fez de tudo» em Figueiró da Serra, em Pinhanços e, até há meio ano atrás, em Moimenta da Serra, de onde saiu «sem dizer nada a ninguém», segundo a família. Ao que tudo indica, Leonel estará em Espanha, onde se tem dedicado a actividades agrícolas, «mas não temos a certeza», refere a mãe. Apesar de João considerar o percurso do irmão «normal», o pai não tem a mesma opinião e quase nem quer ouvir falar de Leonel. «O meu filho não teve pai nem mãe», atira. «Eu devia ter sido mais rigoroso com ele, nunca quis fazer nada», culpa-se. Já Maria da Natividade acredita que o jovem podia ter sido «um homem», lembrando que o Presidente «o tirou da quinta e o meteu num curso, mas ele quis vir para casa», lamenta. «Esteve cá a televisão e tudo», recorda.

O primeiro PIEF foi criado pelo Governo em 1999, mas só chegou à Guarda em 2002. Projecto pioneiro no distrito, o curso destinava-se aos menores em situações de risco e socialmente desenquadrados, pretendendo-se evitar situações de trabalho infantil e abandono escolar. Liliana Silva era então a coordenadora do projecto e garante que «não há ninguém que não se lembre do Leonel». Apesar de o descrever como uma criança «afável e simpática», a professora assegura que «pouco pôde ser feito» pelo jovem, já que não havia forma de combater a «desmotivação completa e a falta de acompanhamento familiar» que apresentava. «Mas só não fizemos o que não pudemos, até porque víamos que ele tinha capacidades», garante, acrescentando que, se quisesse, o jovem dos Meios teria conseguido, pelo menos, «a carteira profissional no curso de Jardinagem». Ao que parece, o único senão de Leonel era mesmo «não querer sequer ouvir falar da escola».

No entanto, Liliana Silva garante que este é um caso «excepcional» nos PIEF. «Nesse ano tivemos seis desistências, mas a maioria dos alunos seguiu cursos profissionais, sobretudo na área da mecânica, e conseguiram endireitar-se». Actualmente funcionam dois cursos na Guarda. Um na Escola Secundária Afonso de Albuquerque e outro, para raparigas de etnia cigana, está a acontecer desde Setembro nas instalações da PróRaia.

Rosa Ramos

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