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Cansados de Bush…

Theatrum mundi

Começou 2008 e sobre ele podemos dizer, inequivocamente, que será o último do mandato de George W. Bush à frente dos Estados Unidos da América. Para trás ficam os anos do regresso dos neoconservadores ao poder e da sua influência sobre a política económica, a política externa e até a política do aquecimento global. A um ano do fim do mandato de Bush, os Estados Unidos e o resto do mundo encaram o facto com fadiga, mas com alívio, ao mesmo tempo que tanto cá como lá muitos se preparam para seguir a nova temporada eleitoral que só há de terminar, no próximo mês de Novembro, com a eleição do novo inquilino da famosa White House. Inquilino e primeiro mandatário de um estado cujo impacto no mundo é impossível ignorar, para o bem e para o mal, o que faz destas eleições um fenómeno tendencialmente global.

A fadiga causada pela passagem de George W. Bush pelo poder é evidente, tanto dentro como fora dos Estados Unidos. Para lá das constantes gafes de um homem cujo jeito para presidente foi sempre posto em causa, a agenda de Bush é hoje tida como desagregadora da sociedade americana. No plano interno, a herança fica marcada pelos escândalos financeiros, a má prestação da economia, o descalabro do sistema de saúde e das redes de abastecimento de energia, o hipermoralismo como fachada do poder. No plano externo, as intervenções militares causaram mais problemas do que resolveram e ajudaram a espalhar sementes de antiamericanismo que prometem germinar ainda durante muito tempo. O recurso à intervenção armada unilateral, o proteccionismo comercial em determinados sectores, a total inflexibilidade em matérias relativas ao protocolo de Quioto e o desafio aos russos com uma nova guerra das estrelas, mas também o renovado discurso hipermoralista na comunicação com o mundo, justificam a recuperação, neste início de século, das críticas ao poder norte-americano como poder de natureza imperial. Durante a guerra fria, já o insuspeito Raymond Aron utilizara a expressão ‘república imperial’ para caracterizar o alcance daquele no mundo e, nestes últimos 7 anos, muitos foram os dirigentes, escritores e comentadores europeus que se sentiram constrangidos nas suas manifestações de apreço pela pátria de Washington e Jefferson, ou se viram obrigados a qualificá-lo. Pelo menos ficámos todos a saber que os Estados Unidos são uma realidade bem mais complexa do que aparentam, e do que mostram os filmes que todos querem ver… Foi assim frequente ouvir, nas conversas e comentários destes últimos sete anos, a máxima percautória segundo a qual “Bush não é a América!”

A comunidade internacional pode andar preocupada, neste início de ano, com a anunciada proclamação unilateral da independência do Kosovo, a violência pós-eleitoral no Quénia ou a passagem de testemunho de Vladimir Putin. Ainda assim, o alívio é generalizado no que toca à saída de Bush, um alívio que se pode intuir no frenesim com que os media de todo o mundo se lançaram na cobertura das primárias do Partido democrata e do Partido republicano no Iowa e New Hampshire. Todos querem esquecer Bush e os neoconservadores, todos querem saber se a América-mais-complexa-do-que-aparenta vai eleger, para inquilino da simbólica White House, a primeira mulher, o primeiro negro ou o primeiro pastor mórmon. Mas todos querem também saber o que vai realmente mudar na política americana, para lá do vasto consenso em torno do interesse nacional, transversal aos partidos oficialistas e seus candidatos.

Por: Marcos Farias Ferreira

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