Há uns dias a SIC mostrou uma reportagem sobre as novas formas de diversão nocturna em Lisboa. O Bairro Alto continua em alta, como sempre, mas há franjas de público que procura espaços de convívio alternativos que estejam aliados à fruição cultural. Espaços que fogem ao circuito habitual de bares e que propõem concertos, tertúlias, exposições, leituras de poesia, performances. Exemplo do sucesso desta tipologia de espaço é a Fábrica de Braço de Prata (no Paço do Bispo), um espaço com uma livraria, 12 salas e 3 ateliers. Trata-se de uma antiga fábrica recuperada com o intuito de proporcionar experiências culturais diferentes, não institucionais e de carácter quase espontâneo. A Fábrica de Braço de Prata é um projecto conjunto das livrarias Eterno Retorno e Ler Devagar. Para marcar posição e fidelizar o público, maioritariamente universitário e jovens artistas, a Fábrica dinamiza uma programação cultural exigente e rigorosa (conferências, leituras, cinema, música). A SIC revelava ainda que, à semelhança da Fábrica de Braço de Prata, outros espaços alternativos florescem em Lisboa vocacionados para um determinado segmento de público, para a divulgação de um dado género musical ou corrente artística.
Complementarmente à reportagem televisiva, este último Sábado podia ler-se no semanário Expresso uma reportagem sobre o crescente aparecimento de novos cafés lisboetas que exploram esse conceito, marcadamente urbano e cosmopolita, de conciliar a exploração de um espaço diferente (uma antiga casa ou fábrica) com uma preocupação de promoção cultural raramente vista nos anos anteriores (a Galeria Zé dos Bois foi a precursora deste fenómeno). São cafés que renovam o prazer da tertúlia, do reencontro de pessoas para a conversa cultural, para o debate de ideias ao som de música jazz, improvisada, ou enquanto se ouve um recital de poesia ou se frui uma exposição de arte contemporânea. E na Guarda? O que temos? Comecemos por abordar o que já não temos: o Zincos Bar. Apesar de ter tido vários proprietários e momentos altos e baixos, O Zincos Bar foi ao longo de aproximadamente 20 anos (ou talvez mais), o único espaço nocturno da cidade com identidade própria. Era o único espaço verdadeiramente alternativo na diversão nocturna guardense: tinha uma marca própria na divulgação musical (com concertos ao vivo, sessões de DJ), foi palco de muitas sessões culturais promovidas por associações ou por particulares, foi espaço de festas temáticas que nada tinham de superficiais (ao contrário do que sucede noutros bares) e constituiu um local de passagem obrigatória para toda uma geração de noctívagos (da Guarda e não só) com predilecção pela cultura underground. Ou seja, o Zincos possuía as características para encaixar no tipo de bares referenciados na reportagem da SIC ou do Expresso. Acontece que encerrou portas na noite de passagem de ano. E foi-se uma referência na vida nocturna da cidade. Os outros bares da Guarda nem por sombras possuem estas preocupações, são formatados pela mesma bitola, claramente destinados a um público adolescente que pretende diversão imediata e que não quer saber para nada de actividades culturais complementares (“são coisas para intelectuais”, ouvi um jovem dizer o outro dia).
Enquanto na capital vão florescendo cafés e espaços multiculturais, projectos originais que não se reduzem ao aspecto meramente negocial e comercial, na Guarda desapareceu a única referência de anos. Não diria que faltam cafés como o Mondego, Monteneve ou Cristal. Os tempos são outros. Como se vê pelo exemplo de Lisboa, o conceito de café é hoje um conceito totalmente distinto do de há 40 ou 50 anos atrás. Hoje um café (ou bar) com identidade e programação cultural própria pode ser um espaço renovado de uma casa abandonada, com salas para cada actividade, com um design minimalista, uma livraria associada e com vontade de ser e fazer diferente. Não há quem arrisque?
Por: Victor Afonso