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Cá Fora

Corta!

O casal que tanta gente fascinou em «O Delfim» está de novo junto, e de novo pelas mãos de Fernando Lopes, em «Lá Fora». Depois de Palma Bravo e Maria das Mercês, personagens nos finais dos anos 60, deparamos agora com Laura Albuquerque e José Maria Cristiano, uma jornalista de televisão e um corretor da bolsa, numa actualidade que apenas alguns, certamente, reconhecerão. Antes um casal, agora duas almas solitárias e desencontradas – se bem que, no fundo, já assim era no filme anterior. Mas, se Rogério Samora continua a surpreender todos aqueles que nunca o consideraram bom actor, já Alexandra Lencastre consegue aqui um dos seus piores papéis de sempre. Desta vez nem a beleza a salva. Tudo é falso, exageradamente falso e artificial. Lá estão as «lágrimas» finais para o provar, se mais provas fossem necessárias.

Outro motivo de interesse neste novo trabalho de Fernando Lopes passa pela estreia do crítico de cinema (e muito mais que apenas isso) João Lopes, como argumentista. Conseguirá um crítico, habituado a avaliar o que vai mal nos filmes que vê, fazer um filme perfeito? Claro que tal questão é injusta de se colocar, ainda que nos surja de imediato. João Lopes não consegue, nem na verdade se pedia tal, escrever o tal filme perfeito, mas deixa interessantes pistas para filmes futuros (e já está na calha «98 Octanas», novamente da dupla Lopes & Lopes). As referências cinéfilas são mais que muitas e merecem destaque alguns diálogos, qual prova de esgrima, a fazer lembrar a dupla Bogart – Bacall (para comparação aconselha-se o magistral «Ter ou Não Ter»).

Com um ambiente a fazer lembrar alguns dos filmes mais cerebrais de Cronenberg («Irmãos Inseparáveis» ou «Crash», apenas para dar dois exemplos) ou até mesmo parecendo por vezes um filme kubrickiano, mas sem a grandeza habitual nos filmes deste, «Lá Fora» é já de si um título premonitório. É na verdade lá fora que acabamos por ficar todos. Tarefa ingrata a de tentar estabelecer contacto com filme tão cerebral, onde as emoções, que por ali passam, bem visíveis ainda assim, nada mais revelam ser que sombras de fantasmas, se estes as tivessem. Sombras impossíveis de tocar, agarrar, aproximar ou parar um instante no tempo. O tempo suficiente para as compararmos às nossas e assim conseguirmos estabelecer, nem que ligeira, uma qualquer ligação. Mesmo na longuíssima consulta freudiana (onde Bergman está bem presente e Ana Zanatti parece mesmo pedida emprestada a um qualquer filme do mestre sueco), tudo nos foge por entre os olhos, ouvidos, coração. Quando julgamos estar finalmente em comunhão com aquelas personagens, voilá, tudo é nada afinal. Se mais coração e menos cérebro tivesse sido colocado neste filme, tudo poderia ser diferente e talvez deixássemos de ser tantos os que ficamos cá fora, esperando até ao fim por algo que nunca chega.

Não conquistará tanta gente como «O Delfim» há uns anos atrás, que tantos surpreendeu, acostumados ao habitualmente desinteressante panorama do cinema português, onde raras são as vezes que vale a pena sair de casa, mas não deixa de ter motivos suficientes para compensar quem lhe decida dedicar algum tempo. O mais certo, como já ficou dito antes, é, no final, ficar do lado de fora deste filme, como se todas as personagens e respectivas acções se passassem num aquário. Onde nunca sabemos muito bem onde se respirará melhor. Aqui? Lá? Nada como experimentar…

P.S.: E hoje, se nada tiver sido alterado desde o dia em que estas palavras estão a ser escritas, é um grande dia. O culpado por «Buffalo ‘66» está de volta com «Brown Bunny». E se os ecos que nos chegam não são os mais animadores, a expectativa, essa, não podia ser maior. Para a semana: Gallo, Vincent Gallo!

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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