As dificuldades de contexto e a falta de apoio às associações, e nomeadamente às associações empresariais, levam a que há muito se fale nas dificuldades e no sufoco financeiro da Associação Comercial da Guarda (ACG). Uma vez mais, entre a falta de iniciativas, de representatividade ou envolvimento dos associados e a falta de financiamento das candidaturas aprovadas leva a que no horizonte esteja o declínio definitivo da ACG. Com quase dois mil associados em todo o distrito (aliás, a designação efetiva é Associação Comércio e Serviços do Distrito da Guarda) é, porventura, a mais representativa e integradora associação da Guarda e do distrito. Fundada em 1905 com a designação de Associação Comercial da Guarda, a que sucedeu o Grémio de Comércio do Distrito da Guarda em 1939 e, depois, em 1974, adotou a atual designação. Poucas instituições na região atravessaram o século passado com glória e chegaram ao século XXI com relevância e protagonismo, nesta sociedade da informação e do mundo digital, como a ACG.
Esteve na renovação do comércio tradicional, tendo sido inclusiva em relação aos sectores mais ancestrais da vida comercial da cidade, apostando no apoio, na formação e na renovação sectorial do comércio; contribuiu para a dinamização do centro urbano e a manutenção da Guarda como cidade comercial, com lojas de referência num tempo do franchising, dos centros comerciais e das redes comerciais. E sobreviveu às suas distintas prostrações e às suas debilidades. Precisamente por tudo isto, a ACG foi ainda mais importante: foi sempre o último reduto do comerciante, do pequeno empresário, do negociante que teima em resistir à força das “marcas”, dos grupos e das grandes corporações comerciais ou empresariais.
Porém, e depois de muitos sustos, a ACG vive uma situação de enorme debilidade e instabilidade. A exemplo do que ocorreu em outros momentos da sua longa história, a ACG está a viver momentos de sufoco financeiro que consubstanciam consequências várias, desde logo uma enorme incapacidade de se renovar e de cumprir com o seu dever de apoio ao associado. Ou pelo menos essa é a parte visível das suas dificuldades – também é verdade que os associados se distanciam das suas agremiações e vivem de costas para a defesa do coletivo.
A ACG, com dificuldades, tem sobrevivido na subsidiodependência e com alguns projetos aprovados para ações cada vez menos relevantes para a comunidade. Vítima da “Troika” e da redefinição dos objetivos das candidaturas e em especial do Portugal 2020, passou à bolina, sem rota e sem estratégia afirmativa. Numa recente tentativa de sair do marasmo e do sufoco de tesouraria, a direção de Miguel Alves tentou cobrar à Câmara da Guarda uns milhares de euros pela “ocupação” de uma passagem ou acesso público para a nova sede da Comissão Vitivinícola. Não deu certo. Nem podia dar – a autarquia nunca poderia pagar para receber o direito de acesso que nunca lhe deveria ter sido denegado. E sobre uma propriedade que há pouco tempo era pública, e deveria ter continuado a ser.
Agora a ACG pretende vender a sua sede, a sua casa, a casa dos comerciantes. Um edifício que marca um tempo, onde funcionou a Escola Industrial e Comercial e que, com dinheiros públicos, foi reabilitada para servir uma comunidade empresarial, que albergou sonhos de presente e futuro a muitas gerações de comerciantes e que estava prometida para lar dos comerciantes reformados. Vender a sede da ACG representa a falta de soluções, quando está previsto receber milhares de euros de candidaturas aprovadas, como opção limite para tentar viabilizar ou pelo menos resolver problemas imediatos de tesouraria – e depois? Enquanto se esperavam ideias novas e projetos que afirmassem a associação, a confirmar-se a venda, poderá não ser o fim da ACG, mas será um golpe definitivo na sua dimensão institucional. E pelo meio fica a pergunta: a ACG tem o direito de vender uma propriedade que lhe foi doada pela cidade?
Luis Baptista-Martins