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“…as ruas onde passamos pelos outros mas passamos principalmente por nós!…” in Ruy Belo “todos os poemas”

À parte esta evidência, as ruas são espaço público e dão sentido à cidade. Por elas acedemos aos vários pontos da cidade, nelas nos encontramos e encontramos o outro, experimentamos sensações, estabelecemos relações, contemplamos o verde e edificado que lhe servem de cenário. Por ela e, no seu subsolo, circulam as infra estruturas de suporte.

A rua é, assim, o principal meio de ligação, na cidade, entendida como um todo (edificado, social e cultural). O seu traçado deverá estabelecer a relação mais directa entre a cidade e o território onde ela se implanta.

Durante muito tempo, a rua foi um espaço público aberto, bem perto das habitações dos residentes, onde pontuavam espaços de transição (arcadas, portais, escadarias, alargamentos ou estreitamentos, respondendo à forma orgânica da sua génese), que se assumiam como espaços de transição, onde as interacções sociais aconteciam quase naturalmente.

A rua actual é, na maioria das situações, imposta, sem qualquer hierarquia, esquece o local e a cidade, tem uma função quase tipificada de permitir a construção na envolvente. Resulta dum qualquer traçado, ladeado de edificado, sem um desenho claro, objectivo, que integre as múltiplas variáveis que virá a ter. Espaço que antes era gerado de forma orgânica, com proporção e escala e actualmente é imposto, em quantidade e muito raramente em qualidade.

No desenho da rua, na sua forma, sob pena de ser condenada ao insucesso… não podem ser descurados aspectos como a topografia; a escala; a proporção, ou seja, o equilíbrio na relação entre a sua dimensão largura e a altura; os alinhamentos que a contêm no equilíbrio e qualidade estética do edificado, bem como o tipo de relações que estabelece ao nível do piso mais em contacto com o espaço público; os materiais de revestimento e a bio climatologia onde tem cabimento, no local, a orientação correcta, a insolação, o coberto vegetal, para colmatar as necessidade de sombreamento, etc.

O automóvel, tem sido o elemento agressor, que mais danos tem provocado nas ruas. O desconforto na utilização, a emissão de gases e a emissão de partículas que vão afectar os materiais e revestimentos das fachadas de contenção. Em muitas situações da cidade tradicional, respondendo a necessidades e dificuldades de acesso, a rua foi invadida pelo automóvel sob as mais diversas formas. Ruas já de si estreitas, são partilhadas pelo automóvel e o peão, resultando passeios de dimensões ridículas onde, por vezes, é difícil uma pessoa só, circular…Noutros casos os passeios são sistematicamente invadidos por estacionamento automóvel.

Estabelecendo um paralelismo com o corpo humano, as ruas são as artérias, as veias e todos sabemos da importância que estas se revestem e, do perigo que corremos, quando lhe provocamos danos.

Importa pois que, na rua, cada coisa esteja no seu lugar, exista espaço para a diversidade de funções, sendo que, é minha opinião, a rua deve permitir, sempre, que o homem a utilize sem obstáculos.

O contrário, é infelizmente mais frequente, os passeios não possuírem dimensão que venha a permitir a sua correcta utilização e muito menos permitirem a inclusão de elementos de equipamento e mobiliário urbano. São frequentemente esquecidos aspectos de continuidade obrigando o transeunte a subir e descer lancis, situação muito penalizante para utilizadores com deficiências motoras, idosos, crianças…Entre outros, são sistematicamente descurados aspectos como a plasticidade e complementaridade dos materiais de acabamento, a pele, e, do próprio desenho, texturas e cores, para não falar do imenso tempo que valas para infra estruturas se mantêm abertas, ou tão simplesmente pedras que se destacaram e aguardam uma infinidade de tempo para serem recolocadas, ou ainda essa função, para a qual as ruas não estão preparadas, como é o caso da avenida rainha dona Amélia, transformada em rio, quando chove mais intensamente, por inexistência, deficiência ou incapacidade da rede colectora.

Ainda por cá, muito recentemente, um equipamento comercial, instalou o seu acesso no meio da rua envolvente e vai agora obrigar essa mesma rua a adaptar-se…O oposto seria o óbvio e correcto. Não me parece que, desta atitude, resulte qualquer mais valia para a rua…

Por tudo o referido e, do entendimento da cidade como um todo, importa ter presente o que Fátima FERNANDES e Michele CAMATÁ, in Formas Urbanas – 2002 referem: “(…)Desenhar a cidade é trabalhar com os materiais que moldam o território, como a morfologia do terreno sobre o qual se constrói, a estrutura natural que se conserva ou reinventa, os marcos da memória colectiva, a massa edificada e os espaços abertos, as infra-estruturas que suportam a mobilidade, os elementos que pela sua função aglutinadora, constituem verdadeiras âncoras urbanas, estruturam a cidade e polarizam a vida das pessoas…consiste num exercício estratégico, criar equilíbrios e compensação entre os diferentes bairros da cidade por construírem espaços que estimulem a comunicação e convívio entre as pessoas (…)”

Por: Aires Almeida

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