Perante tanta desinformação, alguma com propósito ideológico de divisão entre trabalhadores, o que importa realçar efetivamente são as opções ideológicas dos sucessivos governos de destruir as funções sociais do estado.
Quero realçar a situação paradigmática dos enfermeiros no seio do SNS, em contradição no que diz respeito às dotações seguras de enfermeiros no sistema de saúde, mesmo no que tem sido alienado ao privado, nomeadamente na rede de cuidados continuados. Somos confrontados com países da UE a apostarem na fixação de enfermeiros formados em Portugal, ou seja, usufruem a custo zero de enfermeiros qualificados para apostarem em cuidados de enfermagem para garantir a qualidade, a segurança, a eficiência e a efetividade. No nosso país, além de desperdiçarmos os recursos humanos qualificados que formamos, ainda desinvestimos nesses cuidados a todos os níveis, principalmente, e aqui não posso deixar de realçar os cuidados de saúde primários. Não compreendo que tenham criado unidades funcionais autónomas dentro de cada centro de saúde, que espartilham os parcos recursos e sobretudo acentuam a crónica falta de enfermeiros, nalguns casos com números de médicos idênticos.
Nos hospitais assiste-se ao mesmo fenómeno, com um défice grave do número de enfermeiros para prestar cuidados nas 24 horas a cada doente. É incompreensível que num serviço de Urgência haja mais médicos escalados que enfermeiros, com défice grave em áreas nevrálgicas, como a emergência/trauma/cirúrgica.
Verificamos que no privado, muito dele financiado com dinheiros públicos subtraídos aos hospitais e centros de saúde, há gravíssima carência de enfermeiros. Mesmo havendo uma intervenção articulada das organizações representativas em termos profissionais e sindicais e com a fiscalização da ACT, assiste-se à presença de enfermeiros em número reduzido por turno nalguns lares ficando os cuidados aos doentes a cargo de pessoas sem o mínimo de preparação, apesar da grande dependência dos idosos e o índice de envelhecimento, não existem enfermeiros para cobrir as necessidades durante as 24 horas e em muitos casos não existem pura e simplesmente enfermeiros. As dotações seguras não se resolvem a imporem unilateralmente horários de trabalho semanais de 40 horas, no privado aplicam-se as 35 horas aos enfermeiros, o problema central é as dotações inseguras nos diversos serviços públicos e privados. Nestes últimos, onde impera a filosofia de tudo é pouco para garantir o lucro, os poucos enfermeiros são mal pagos e não tem segurança no seu emprego.
As dotações inseguras têm consequências, sobrecarga de trabalho, risco e penosidade para os enfermeiros, mas alguém se questiona quem sofre efetivamente na essência com a falta de enfermeiros? São os utentes.
Aproveito esta crónica para valorizar a minha profissão, sistematicamente ostracizada pelos decisores políticos, em muitos casos com a conivência implícita e explicita de responsáveis das organizações públicas e privadas, que não dão destaque à falta de enfermeiros. Recordo episódios da minha intervenção político-sindical, seja na discussão coletiva, seja em conferências de imprensa, seja na argumentação junto dos responsáveis das organizações, confrontando-me com a perplexidade de alguns. Infelizmente só despertam para o problema sério quando sentem na pele as consequências da falta de enfermeiros.
Neste momento discute-se o retorno da jornada de trabalho semanal das 35 horas, jornada que se aplica no privado à esmagadora maioria dos enfermeiros. Não assisto à discussão séria e necessária dos custos diretos e indiretos da falta de enfermeiros no distrito da Guarda, onde faltam centenas nas diversas instituições. Fala-se de dotações seguras, criam-se fórmulas de cálculo, mas mais nada. É tempo de exigir o cumprimento dessas normas, os utentes devem junto da Ordem dos Enfermeiros proceder ao relato das situações que os afetam diretamente a si ou aos seus familiares. Os governos, para se desresponsabilizarem da sua função prestadora, fruto das opções ideológicas de destruir o SNS, passaram em muitas situações a mero financiador e acentuaram a perspetiva do regulador.
A Entidade Reguladora da Saúde não se tem preocupado minimamente com os recursos humanos da saúde, nomeadamente com os enfermeiros, porque dotações seguras é o mínimo que se pode exigir nas organizações de saúde (Serviço Nacional de Saúde e privados).
Se criaram a falácia da regulação, então esta tem que ser regulada de forma minimamente eficaz. Nas minhas observações não vislumbro que tenha havido exigência às organizações que oferecem cuidados de saúde de requisitos mínimos, a este nível, com repercussões graves na qualidade do atendimento e na saúde. Sem enfermeiros em número suficiente não há cuidados de saúde e muito menos cuidados de saúde de qualidade, sem descurar a segurança, a efetividade e eficiência.
Por: Honorato Robalo
* Dirigente da Direção da Organização Regional da Guarda do PCP