Se for ainda a tempo falar de Anders Breivik, e da matança que o registou como deus ex-machina, aduziremos umas quantas linhas, ansiosas do futuro que algum milagre, assim se espera, venha a desconfirmar. Principiando pela fisionomia de Breivik, descortinaremos um homem tranquilíssimo que poderia ser um místico arrebatado por êxtases idênticos aos de Hildegard de Bingen, ou um pai de família em férias que talhasse para os seus miúdos uma nave viking dentro de uma garrafa de akvavit. Nada tem ele a ver com a diabólica fúria de Charles Manson, nem com a atonia sádica de Renato Seabra. Ali está, cumprida a missão, de olhar perdido no horizonte, e tão disponível a enfrentar a pena que vier a aplicar-se-lhe como Joana d’Arc no centro de uma corola de labaredas, ou a apostar no suicídio como Petrónio na banheira de mármore pentélico.
Quando esta personagem, comprometida com uma cruzada de terror como todas as que impõem uma face de Deus em detrimento de qualquer outra, interagir com os destinatários do seu ideário, aí sim, aí atingirá a tragédia proporções apocalípticas. E os filhos daqueles mesmos que verteram lágrimas autênticas pelas vítimas da ilha de Utoya, empolgados pela palavra selecionada à sua medida, formarão hordas execráveis, e muito mais assassinas do que as armas manipuladas pelo seu mentor. Da anódina massa de quantos lhe apontarem o dedo, e o insultarem à entrada e saída das audiências, não se duvide, fabricar-se-ão os sanguinários autómatos que, procedendo na lógica da maioria das revoluções, confortavelmente se instalam nos livros sagrados, a fim de levar a cabo a sua irreversível invenção da História.
E quem não se houver esquecido do figurão que, há setenta e dois anos, proclamava do topo de uma tribuna “a aniquilação da raça judia” como pressuposto da salvação da Europa, quem disso se tiver esquecido que não esteja nessa altura por cá, a assistir à implacável reposição.
Por: Mário Cláudio