Interrogo-me há algum tempo sobre o alheamento das comunidades do Interior face a algumas manifestações contemporâneas, com excepção da hegemonização do consumo e da disseminação do fast-food, bem entendido. Tal situação tem vantagens e inconvenientes, mas a privação da generalidade das tendências simbólicas actuais comporta uma indiscutível perda, tanto mais quanto noutros domínios se têm vindo a substituir abruptamente os códigos rurais por práticas suburbanas.
É evidente que as instituições não se podem transladar e que da parte dos agentes culturais estatais tem havido pouca vontade de promover uma programação efectivamente descentralizada. Embora longe de suprir esta carência, reconhece-se o esforço e o contributo de algumas entidades locais na promoção de exposições e eventos artísticos, caso do TMG, da Moagem e do Museu de Lanifícios, e enaltece-se a actividade seminal de certas associações, como a que criou Maria Lino no Feital, na inversão deste vazio. Sendo um pouco diferente, o panorama nas artes do espectáculo ressente-se também da demissão do Estado e das autarquias.
A existência de diversos cursos de formação artística na UBI e nos politécnicos tem obtido pouca visibilidade no seio da comunidade regional. Também a recente feira de arte da Covilhã foi quase esquecida pela imprensa, tanto no que concerne ao alcance dos seus objectivos como à sua relevância económica e cultural. Omissão que denota a inexistência de crítica substantiva e de especialização jornalística no domínio da arte e dos ofícios, notoriamente depreciado face a outros, como o desporto e o horóscopo.
No entanto, as autarquias têm promovido a instalação de “obras de arte” a embelezar rotundas e jardins, quando existem, e colocam peças monumentais desprovidas de senso em sítios inopinados. Perseveram na promoção dos artistas “da terra”, qual qualidade absoluta, ou no revestimento de muros de suporte com painéis azulejares votados a heráldicas fabulosas. Têm reabilitado e adaptado edifícios a fins culturais, como por exemplo o edifício Arte Cultura, a Tinturaria e a Casa dos Magistrados, ambos na Covilhã, cuja utilidade se desconhece, por ora.
Viver numa aldeia ou numa pequena cidade não impede a conciliação da dimensão local com a cosmovisão, desde que não se gastem as energias em combates espúrios sobre as capitalidades (da cereja, da chanfana, etc.), antes se concentre a atenção no que persiste como verdadeiramente significativo dos locais. A qualidade não depende necessariamente da centralidade geográfica. Porém, a actual “franchização” das exposições e projectos, sem o devido mecenato e a promoção de debates, conferências, ateliers e residências de artistas, etc., parece-nos mero desperdício de recursos financeiros que pouco contribui para a formação de públicos. A política cultural deve, assim, ser informada por uma perspectiva global, conducente à elevação dos parâmetros críticos. Aspecto cada vez mais determinante nos diferentes sectores de actividade.
A programação artística é uma componente incontornável da cultura, seja na atenção à produção contemporânea ou no diálogo com a herança do passado. As cidades culturalmente mais activas, mesmo se periféricas, estimulam a inovação, a audácia, o respeito pelo meio ambiente e a tolerância à diferença. A familiarização com a arte, domínio inalienável da formação do indivíduo, é demasiado estratégica para ser negligenciada, já que contribui para a exaltação humanística, para a complementaridade entre os lados racional e sensível da personalidade e, enfim, para dirimir o estigma da exclusão.
Por: Francisco Paiva