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Apito final

Não é só no futebol que a lógica é contrariada. Na política é igual. Quando se vai a jogo registam-se por vezes resultados que ninguém imaginava à partida. Foi o que aconteceu agora com as legislativas em Portugal. Embora todos adivinhassem a vitória do PS, não passaria pela cabeça de ninguém a dimensão ou a magnitude de tamanha vitória. Estabelecendo um paralelo, foi como se num jogo em que o resultado esperado fosse a vitória por um ou dois golos de diferença, o mesmo se saldasse no final por uma rotunda e gorda “cabazada”. Agora, tal como no futebol, tentam encontrar-se as razões dos resultados. Num exercício à posteriori, tentam identificar-se as causas que levaram à maioria absoluta. Que quota-parte coube à vontade de sancionar as propostas socialistas? E que percentagem deverá ser atribuída à vontade de castigar as trapalhadas do já, ex-governo? Terá sido mais um voto contra o PSD ou terá sido mais um voto a favor do PS? Concordo que para efeitos do desenrolar da vida isso agora pouco importe, mas mesmo assim é um exercício obrigatório na leitura e na interpretação do acto eleitoral. Mais uma vez, socorro-me do léxico futebolístico: “uma equipa só joga aquilo que a outra deixa jogar”. Trocando o verbo jogar pelo ganhar aí temos nós a resposta para as eleições. O PS ganhou na proporção inversa em que o PSD perdeu. Este vai ser possivelmente o maior álibi para os futuros fracassos da governação socialista. Escudar-se-ão nos resultados da votação tal como alguns clubes se escudam em determinados jogos e resultados. Lembram-se ainda daqueles 6 a zero? Não se recordam dos 7 a um? A memória destes resultados eleitorais irá ser utilizada sempre que se ponham em dúvida as medidas e as politicas que entretanto forem ensaiadas.

Há no entanto outro dado sobre estas eleições sobre o qual a reflexão não deve passar ao lado. Já aflorado, por alguns, a questão é sinteticamente a seguinte: as regras do jogo foram alteradas no decorrer do mesmo. O presidente da república ao convocar as eleições a meio do mandato e com uma maioria absoluta no parlamento abriu um precedente que poderá vir a tornar-se um verdadeiro problema para a estabilidade do sistema. Quem poderá com segurança, a partir de agora, afirmar que a estabilidade (por quatro anos no caso do poder legislativo) está garantida? E, se em poucos meses tivermos um presidente social democrata (o mais provável é Cavaco Silva) que não veja com bons olhos determinadas actuações do executivo (o que face às dificuldades é o mais provável que venha a acontecer)? Entraremos novamente num processo de eleições antecipadas o que poderá significar uma nova surpresa nas urnas e assim “ad eternum”.

Cada vez mais a politica se parece com um jogo. Em vez de regras bem definidas e institucionalizadas (aí falaríamos de desporto e não de jogo) regressa-se ao estado de natureza, em que as regras são feitas (e alteradas) pelos próprios participantes. O poder discricionário do presidente da república neste aspecto é muito parecido ao de um árbitro de futebol.

Por: Fernando Badana

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