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Anos 70

Corta!

Os anos 70 de volta aos grandes ecrãs. A mais interessante década do cinema americano, é a principal marca, que desde logo nos assalta, em filmes recentemente estreados em Portugal como Birth – O Mistério ou O Assassínio de Richard Nixon.

Polémico em muitos dos países por onde já passou, Birth, em Portugal, no entanto, parece não passar, pela reacção de algum público, de uma comédia. Tantas as gargalhadas fora de alvo durante as suas duas horas de duração. A polémica, causada pela paixão de uma mulher adulta por uma criança de dez anos, que esta julga ser a reencarnação do seu marido morto, é tão exagerada quanto estúpidos são os risos que possam surgir.

Num cruzamento entre A Semente do Diabo de Polanski e Shining de Kubrick (e Nicole Kidman não parece uma reencarnação de Mia «Rosemary» Farrow?), este Birth vem embrulhado em papel de blockbuster, mas revela-se uma séria e inteligente proposta. Habituados que estamos a tão descartáveis produtos, semanalmente estreados entre nós, uma tal surpresa até nos pode deixar desconfiados. Será realmente assim tão bom aquilo que acabei de ver? Sim, é. Mesmo que o final, que se desejaria surpreendente, seja facilmente descortinado logo nos seus primeiros minutos.

Lembram-se de Taxi Driver? Produto de uma descrença/crise na sociedade americana em que Travis Bickle era a sua personificação? Em período de nova crise nas terras de Tio Sam, Travis tem agora descendência, com Sam Bicke, em O Assassínio de Richard Nixon. As semelhanças no nome não devem ser apenas coincidência.

A revolta nascida pelo choque com uma sociedade – a chamada Terra da Abundância – onde há muito para poucos, e pouco para muitos, transforma as terras do Tio Sam no habitat perfeito para o surgimento de muitos Bickles e Bickes. Pessoas presas a uma margem de onde é possível assistirem em primeira fila a tudo o que lhes é rejeitado. Espectadores de uma passerelle de desejos reprimidos e necessidades inalcançáveis. A revolta, nestes casos, deixa de ser uma opção.

Em mais uma enorme interpretação de Sean Penn, Sam Bicke é um vendedor farto da desonestidade a que é obrigado para poder conservar o emprego que lhe mantém a esperança de um regresso da pessoa que ama. Grão de areia num areal sem fim à vista, Sam, como Travis, só vê uma saída para se tornar visível. Os poderosos, inalcançáveis e alvos de todas as criticas, que vejam do que a mais pequena peça de tamanha engrenagem pode fazer quando voltada a tão sufocante incompreensão e invisibilidade.

Num ano que conta já com uma mão cheia de grandes filmes, eis o último a juntar-se a essa lista, com uma estreia na realização de Niels Mueller. Apontem, nunca se sabe o que se pode seguir.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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