Em conversa com um conhecido fiquei a saber que todos os anos são gastas centenas de toneladas de salgema para manter aberta a estrada Covilhã-Torre-Seia durante o Inverno. Fiquei ainda a saber que, como consequência dessa acção, são já detectáveis níveis alarmantes de salinidade nas nascentes contíguas ou a jusante da dita estrada.
A Serra da Estrela é a única na Europa “civilizada” que tem uma estrada asfaltada a passar no seu ponto mais alto e com um centro comercial a 1993 metros de altitude. À boa maneira portuguesa, conseguimos “assassinar” um dos locais que deveria ser preservado ao máximo quer pelo seu valor biológico (botânico e faunístico), geológico, (o topo da serra foi ponto de partida de várias línguas glaciares que moldaram a paisagem com os seus lindíssimos covões e o grande vale do Zêzere) e hidrológico. Todo o salgema que é espalhado depois da passagem dos limpa-neve para baixar o ponto de fusão da água e manter a estrada transitável está a ir para algum lado; a sua dissolução e transporte em solução está a ter consequências ecológicas graves na qualidade da água de muitas nascentes uma vez que, ao infiltrar-se, vai salinizar alguns aquíferos da Serra da Estrela que alimentam nascentes e captações.
Tudo isto para que “turistas de garrafão” (e outros) com parcas noções de ecologia passem horas em filas quilométricas para visitar o ponto mais alto de Portugal Continental. Para comemorarem esta façanha escorregam em trenós improvisados (sacos de plástico, que depois abandonam) e atiram bolas de neve uns aos outros. Vão depois comprar uns queijos da Serra (de fábrica, a maior parte) e fazer um xixizinho no mais absurdo “centro comercial” de Portugal. Antes de abandonarem, e após terem conspurcado mais um pouco o ponto mais alto, imortalizam estes momentos numa foto de grupo.
O Estado português, na pessoa do IEP, gasta milhares de euros por ano na manutenção desta estrada (asfalto e custos de limpeza de neve). Parece que a vão agora “embelezar” com uns metálicos “rails” (para proteger automobilistas e “ceifar” motociclistas). Os Governos estão a dar um grande “tiro no pé” com o negligenciar deste belo local. Fechem este troço da EN 339, já! Afinal trata-se de um Parque Natural ou já se esqueceram disso?! Acabem com aquele centro comercial, deslocalizem-no. Invistam na ligação Covilhã-Seia a cotas mais baixas. Pistas de esqui sim, mas por teleférico. A nossa provinciana mania de levarmos os carros “até à porta” tem que acabar!
Parece que estão previstas (espero que não haja dinheiro) as ligações Portela-do-Arão-Lagoa Comprida, Folgosinho-Videmonte e Folgosinho-Santinha-Vale-do-Rossim em asfalto. Mas porquê e para quê? Quem idealiza estes projectos? Terão estes indivíduos, autarcas e sucedâneos, um pingo de consciência ecológica? Mais asfalto implica mais facilidade para Zés da Buraca, Bibás Pitas, pensionistas em excursão e outros acederem a pontos da serra até agora preservados da poluição sonora, visual, aérea e hídrica que estas hordas de turístas sazonais costumam trazer anexada.
Se o Estado canalizasse todo este dinheiro para a limpeza, manutenção e vigilância a sério dos parques naturais estaria a fazer um investimento bem mais rentável para o futuro, pois é doloroso e deprimente ver a destruição metódica, sistemática e premeditada do nosso património ecológico. Por agora os “frutos” que vamos colhendo de políticas ambientais erradas não são doces, são amargos ou…. salgados!
Por: José Carlos Lopes