Hoje, cada vez mais e em todos os domínios da actividade humana, vivemos numa época histórica marcada profundamente pela aceleração, pela perversidade da pressa e da velocidade. O ritmo de vida da sociedade globalizada instiga-nos um profundo instinto de aceleração. Aceleração para consumir, para trabalhar, para viver e até para morrer (ou ser enterrado). Esta velocidade vivencial é, muitas das vezes, estimulada pela indústria da cultura, pela publicidade agressiva, pela comunicação social, pela sociedade do espectáculo mundano no qual vivemos. A evolução da sociedade que desembocou na actual era do digital e da tecnologia alteraram os nossos hábitos e lançaram-nos numa luta desenfreada contra os ponteiros do relógio. A par das muitas vantagens, a evolução tecnológica veio também introduzir novas formas de relacionamento com o tempo, dado que encurtou distâncias, aboliu barreiras espaciais e temporais, desenvolveu as redes de transportes e de comunicações, abriu-nos um mundo hiperacelerado onde tudo acontece a um ritmo frenético, sem paragens para meditações ou introspecções. À conta disso, os nossos hábitos sociais, profissionais e culturais mudaram radicalmente. Perante tamanho frenesim de imagens, o olho humano já nem tem a mesma capacidade de persistência retiniana. No contexto desta sociedade da informação toma preponderância a informação-sinopse, resumida, rápida e fácil de consumir (nos jornais ou nas televisões), assim como a comunicação entre os jovens é cada vez mais feita com base em SMS, ainda por cima abreviadas e em mau português. Haverá ordem no caos?
Tudo à nossa volta se rege pelo espectro da velocidade: comemos comida fast-food, jogamos jogos de computador que desafiam a nossa velocidade de processamento mental, compramos aquela marca de roupa de forma quase instintiva (após consumir subliminarmente anúncios publicitários de breves segundos realizados para inculcar o impulso de compra), vemos televisão em constante mutação zapping, pesquisamos na Wikipédia para não ter de ir à biblioteca mais próxima, ouvimos música aleatória no carro enquanto vamos para o emprego porque não há tempo para ouvir em casa, vemos cinema “popcorn” de consumo imediato, lemos literatura “light”, efectuamos múltiplas tarefas simultaneamente para não perder muito tempo com cada uma delas isoladamente, lemos um manual que explica “Os Maias” em 20 páginas para não ter que ler a obra completa, etc. No fundo, Albert Einstein antecipou estes tempos quando, há muitas década atrás, dizia que tinha no seu roupeiro roupa totalmente igual para não perder tempo a escolher o que vestir.
Exige-se tudo o mais rápido possível e se possível com o mínimo de esforço. Só a burocracia se mantém lenta como um caracol a subir o Everest. A exigência da exigência como critério de obtenção de qualidade e de formação cultural esfumou-se do sistema de ensino. O tempo desocupado e de lazer reduz-se cada vez mais, afunila-se, impedindo-nos de respirar e sentir a leveza da ausência de obrigações sociais, pessoais ou profissionais. A palavra ócio é banida e conotada com displicência e desafogo inútil (Agostinho da Silva deve remexer-se no túmulo). Mas a celeridade é, quase sempre, inimiga da fruição estética. Da profundidade. Da reflexão interior. Fruto destas mudanças radicais impulsionadas pela sociedade tecnológica, consumista e globalizada, no campo da cultura poder-se-á perspectivá-la como uma cultura de aceleração, uma cultura que, para ser fruída, já não exige a necessidade de contemplação ou de compenetração. O escritor Mark Dery explica este fenómeno num dos livros maiores da cibercultura: “Velocidade de Escape” (editora Quarteto), assim como o investigador James Gleick no livro “Cada Vez Mais Rápido” (Temas e Debates). Perante este cenário, como desenvolver massa crítica nos jovens e métodos de estudo aprofundados? Como incutir o “think for yourself”, a vontade de não embandeirar em boçalidades arcaicas e gostos massificados insuflados pela indústria do entretenimento?
Um dia, um amigo meu rebelou-se contra este panorama: para fruir com tempo a vida, levou à letra o “On The Road” de Jack Kerouac, optou por uma licença sem vencimento na Faculdade onde dava aulas e meteu-se num carro para fazer, sozinho, uma viagem costa a costa pela América – de Washington a Los Angeles (Route 66). Um retiro espiritual num mosteiro budista no Tibete também teria sido bem escolhido.
Por: Víctor Afonso