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A redescoberta do mapa eleitoral

Theatrum Mundi

Depois de tanta tergiversação relativa à oportunidade do governo Santana Lopes e à sua efectiva destituição, o presidente Sampaio tinha finalmente que enredar-se na sua própria argumentação. É que como a própria decisão de Sampaio quis mostrar, o que acontece no sistema político português é que nem mesmo uma maioria absoluta pode ser vista como critério absoluto de governação. Sobretudo num caso excepcional como o que se viveu nos últimos cinco meses, em que apesar de emanar de uma maioria parlamentar sólida, ao governo que sucedeu à saída de Durão Barroso faltava manifestamente a legitimidade do voto. Já se insistiu bastante neste ponto, mas julgo necessário sublinhar uma vez mais que o sistema político português não é parlamentar; ele é apenas parcialmente parlamentar, o que significa que o presidente retém poderes que lhe permitem julgar, com recurso a critérios políticos, a actuação das diferentes instituições. As indignações manifestadas quanto à decisão governamental, tanto a de Julho como a de Dezembro, já dizem respeito à luta partidária e à necessidade de mobilizar as indignações mais ou menos instintivas da militância e do eleitorado. Por isso, e lembrando de passagem que o presidente é eleito, no sistema politico português, por sufrágio directo, assisti-lhe toda a legitimidade para avaliar as condições de governação de um executivo que, durante quatro meses, pretendeu ignorar o sistema político existente e que, quando se viu destituído, arremeteu de forma inaceitável contra o garante do sistema. Isto não significa porém, que o presidente não tenha que tomar as suas precauções. A intervenção pública no sentido de defender que o sistema eleitoral mais facilmente permita a formação de maiorias absolutas, como aconteceu na semana passada, é um direito que lhe assiste. Todavia, a prudência exigível nestes momentos pré-eleitorais desaconselhá-lo-ia absolutamente, para lá de um outro motivo não menos importante. É que esta intervenção veio trazer de volta a polémica da sua decisão de dissolver o parlamento, concedendo (apenas) aparentemente razões aos que se lhe opuseram há cerca de um mês: pois se era uma maioria absoluta que o presidente queria, por que dissolveu o parlamento.

Em vez de se referir a maiorias absolutas, o presidente Sampaio podia ter abordado outro tema fundamental do sistema político português e que é o de saber como se há de reformar o mapa eleitoral no sentido de evitar que os distritos do interior percam a voz e se tornem cada vez mais dispensáveis no quadro nacional. O tratamento das eleições por parte dos partidos, da comunicação social e das empresas de sondagens não deixa margem para dúvidas: por diferentes motivos, há distritos que contam e distritos que não contam. Há por exemplo distritos que já hoje elegem tão poucos deputados, como é o caso dos da Guarda, Portalegre, Bragança e Beja, que estão próximos de se tornarem em círculos uninominais pela força da demografia. Para além do mais, é inaceitável que o sistema eleitoral português, ao arrepio do que acontece por toda a Europa, não tenha encontrado até hoje uma forma de permitir o voto por correspondência capaz de impedir uma parte das transferências do recenseamento responsáveis pela permanente perda de mandatos dos distritos do interior. A luta contra a desertificação e a favor do reequilíbrio do país não tem só que ver com as auto-estradas e a política de incentivos fiscais; ela também passa pela redescoberta do mapa eleitoral.

Por: Marcos Farias Ferreira

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