Arquivo

A propósito da casa “judaica” da Cogula*

As marcas de simbologia mágico-religiosas distribuem-se nos seguintes grupos: as marcas nas «mezuzot»; as cruzes cristãs; as abreviaturas católicas1; as estrelas e candelabros.

No que diz respeito a este património apenas o grupo das marcas cruciformes ainda detém algumas dúvidas, quanto a quem gravou, porque as gravou e se foi um judeu, um cristão-velho ou um cristão-novo, que após a expulsão, as gravaram como forma de protecção. No entanto a gravação de cruzes encontra-se geralmente nas ombreiras direitas das portas, mas também nas ombreiras de janelas, em fortificações, igrejas, moinhos, etc (…). A existência de marcas cruciformes no núcleo de Trancoso e nas freguesias é vasto.

Convém recordar que somente existiu uma comunidade judaica no concelho, a de Trancoso. Não existiu qualquer comunidade nas freguesias e muito menos na Cogula, não existe qualquer documentação escrita que confirme o mesmo2. Para poderem formar uma comunidade são necessários pelo menos 10 homens adultos. E também convém referir que qualquer marca na mezuzah tinha que ter cerca de 10cm de comprimento e entre 2 a 5cm de profundidade, o que não acontece com o orifício do imóvel da Cogula, apesar de se encontrar numa ombreira direita. As marcas de simbologia religiosa dos imóveis da Cogula já foram publicados3, e o estudo também fez parte do Plano de Aldeia da Cogula, no âmbito do programa das Aldeias do Côa, e estará em execução durante este ano.

No entanto, pela fragilidade deste património, cabe a todos, instituições públicas e iniciativa privada, sensibilizar e dar a conhecer para proteger e divulgar. Para o caso do concelho de Trancoso estamos a falar em mais de um cento de marcas, somente no Centro Histórico, acrescentando as das respectivas freguesias, seria impossível ao Município reabilitar todos, sendo eles 99% privados; cabe à instituição dar a conhecer, educar e sensibilizar para que todos possamos proteger. As Câmaras de Trancoso, Belmonte4 e Guarda5, já deram a conhecer o seu património quer com as Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior; quer através de publicações, de visitas guiadas e como temática nas Jornadas Europeias do Património em 2003.

Trancoso teve a sua judiaria, a qual consta na documentação escrita desde o reinado de D. Pedro I (1357-67). Em carta de privilégio dada por este monarca aos judeus de Trancoso, diz- -se que, por essa altura, lhes foi dada pela primeira vez, judiaria apartada onde pudessem morar, na rua onde sempre viveram e não especifica qual, apenas que é no meio da vila.

No entanto, a tradição oral e os vestígios de marcas cruciformes, de candelabros e estrelas apontam para as ruas a Leste da vila intra-muros. Nós indicamos como sendo provavelmente a rua da Alegria. Mas as dúvidas continuam, pois não temos até hoje, qualquer base documental, apenas a tradição oral, que um imóvel desta rua, teve culto judaico, mas provavelmente não foi sinagoga. No entanto, imóveis com gravações na mezuzah e candelabros de sete braços ou nove, terão com certeza sido habitações de famílias judaicas, porque estes sim são verdadeiros símbolos judaicos, e também os podemos encontrar em Trancoso e noutras freguesias, mas não na Cogula.

Desta forma apontar esse imóvel como casa judaica referido no artigo do Dr. Sérgio Gorjão, parece-me precipitado, a Cogula tem outros potenciais históricos – culturais. É uma Aldeia muito apetecível no que se refere ao património cultural, não foi por acaso escolhida como Aldeia do Côa.

* Titulo da responsabilidade da redacção

Carla Santos, Trancoso

1 Carmen Ballesteros, Marcas de simbologia religiosa judaica e cristã nova, in Revista Cultural, Vila Viçosa, pp.19-20.

2 Maria José Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal no século XV, 3ª edição, Lisboa, UNL, 1999.

3 Carmen Ballesteros e Carla Alexandra Santos, Arqueologia Judaica no Concelho de Trancoso (novos elementos), in Cadernos de Estudos Sefarditas, Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste, nº4, 2004.

4 Estes dois Municípios realizaram em Junho de 2005, as Primeiras Jornadas do Património Judaico da Beira Interior e as Actas serão publicadas em breve.

5 O Municipio da Guarda no âmbito do Programa Polis publicou, no mês passado um manual com o titulo: «marcas Mágico-Religiosas no Centro Histórico da Guarda, bem como roteiros específicos para este género de património.

Sobre o autor

Leave a Reply