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«A maioria dos portugueses não liga à cultura, ao contrário do futebol»

Cara a Cara – Entrevista: João Filipe Cunha

P – Como foi seleccionado para o festival “Dias da Música”, no Centro Cultural de Belém (CCB)?

R – Houve um concurso nacional dirigido a todas as escolas de música do país e nós decidimos concorrer na vertente de composição. Cada um dos três alunos da turma de composição fez a sua peça. Fomos depois chamados a interpretá-las em Coimbra e eu, como toco piano, tive a oportunidade de executar a minha peça e consegui passar a prova. O mesmo não aconteceu com os meus colegas, que fizeram peças para quartetos de cordas e como não tiveram possibilidade de levar músicos para executá-las, não passaram. Foi um erro do regulamento que exigia uma coisa absurda, que é o compositor levar executantes.

P – Como foi a experiência de tocar para aquele público e numa sala de espectáculos conhecida e reconhecida em todo o país?

R – Gostei bastante. Foi uma experiência a recordar, já que é um ambiente musical diferente. É totalmente diferente tocar lá, na Guarda ou no Sabugal. E tocar numa festa da magnitude dos “Dias da Música” é especial.

P – Foi a primeira vez que o Conservatório da Guarda participou neste evento?

R – Sim. Só este ano é que abriram este concurso aos Conservatórios. Nas duas edições anteriores e na última “Festa da Música”, que era um espectáculo ainda mais conceituado que este oferecido pelo CCB, não havia esta vertente de percorrer os Conservatórios para encontrar os talentos que por aí andam.

P – Pensa que esta experiência lhe pode abrir outro tipo de portas?

R – Sim, em certa medida. É sempre uma experiência diferente. Para dizer a verdade, quando toquei neste festival senti, naquele momento, que queria mesmo ser músico.

P – E o que lhe falta para se considerar mesmo um músico?

R – Os músicos têm a característica de viverem um pouco num mundo à parte. Eu acho que me falta um bocado viver nesse mundo à parte, porque ainda não o concebo bem na minha cabeça. Penso que passa um pouco por aí.

P – Para além da inspiração em Bach, que era o mote do festival, baseou-se em algo concreto para compor o solo para piano que levou ao CCB?

R – Não. Esta peça foi inteiramente ao estilo e inspiração “bachianas”.

P – Quais os projectos, a nível musical, que tem em mente para o futuro?

R – Este ano vou concorrer novamente ao Concurso de Piano da Cidade da Guarda, que é internacional e já ouvi dizer que terá muitos participantes na minha categoria, pelo que será uma boa prova. Quero também, no próximo ano, ingressar em Lisboa numa orquestra ou banda, ou dar aulas de piano.

P – Em que é que o Conservatório da Guarda o tem influenciado a nível pessoal e, naturalmente, a nível musical?

R – Não me posso queixar de nada. Quando eu entrei para aqui, desconhecia como se fazia música, como se tocava piano e estou muito grato a todos os meus professores do Conservatório por me terem ensinado tudo o que sei hoje.

P – Portugal é um país que cultiva mais o desporto, nomeadamente o futebol, do que a cultura. O que acha desta mentalidade em relação à cultura?

R – Em Portugal as pessoas pensam que a cultura é algo de supérfluo e podemos ver isso nos espectáculos do TMG. Quando lá vou noto que a sala está sempre a meio gás ou há sempre um grupinho de pessoas, que normalmente são sempre as mesmas, que gostam realmente de cultura e assistem aos espectáculos por gosto. A maioria dos portugueses não liga à cultura, ao contrário do futebol. Muitas vezes oiço pessoas nos cafés a discutir futebol e nunca vi um espectáculo cultural ser discutido. Acho que falta um pouco de mentalização por parte dos portugueses de que a cultura é algo muito importante para a identificação de um povo.

João Filipe Cunha

«A maioria dos portugueses não liga à
        cultura, ao contrário do futebol»

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