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A incerteza dos tempos

Crónica Política

A crónica de hoje sofre as dores da dura transição dos tempos, mas sobrevive bem a essa amargura. Superada e bem a condição de submissão da nossa soberania à tutela externa, que envergonhou a nossa consciência coletiva e diminuiu e apoucou a história da nossa epopeia no mundo, não afastamos todos os riscos de uma recaída.

A incerteza é ainda regra em todos os domínios da nossa vida pública e coletiva. Sobrevivem justificados receios que ilusões reinventadas de facilidades, que não existem, nos aventurem em caminhos passados, que se revelem perigosos para o nosso destino como Nação soberana. A incerteza dos tempos não vive do pluralismo político, nem da democrática existência de alternativas, mas sim na escolha que se revela cega sobre propostas escondidas, falácias ideológicas e desígnios partidários insondáveis disfarçados pela ilusão e pelo cenário.

O nosso percurso democrático tem sempre revelado como a ilusão e a demagogia se sobrepõem à assertividade programática. A história desse percurso coletivo não nos sossega quanto à razoável exigência de bom senso, maturidade política, consensos estratégicos e gestões cuidados e monitorizadas. Desde há muito que o leme da decisão está entregue à condição de político perto do poder e longe da condição do povo.

Daí a diferença sistémica entre a vida prometida e a vida sofrida, o abismo entre a justiça reclamada e a justiça proclamada, a distância entre a exigência da moralidade e o arbítrio da realidade.

Preocupa-me o progressivo afastamento da sociedade civil em relação à política e não me sossega o anunciado aparecimento de novos movimentos que conduzirão à fragmentação eleitoral e que inevitavelmente acentuarão a ameaça de ingovernabilidade. A incerteza dos tempos está ainda ameaçada por uma economia asfixiada, por uma exagerada carga fiscal e burocrática, alimentada por uma máquina e uma cultura persecutória das empresas e dos particulares, na multiplicidade de meios empregues na vigilância, fiscalização, atuação, repressão e castigo, verdadeiramente castradora de uma economia que se quer competitiva e por isso livre e liberta.

A incerteza dos tempos não está, por conseguinte, na alternativa eleitoral que sairá vencedora, mas sim na dúvida quanto à capacidade, à idoneidade, à maturidade, ao bom senso, e à assertividade de uns e de outros. Entretanto, vejo um povo de vozes cansadas, de projetos esgotados e de sonhos adiados, amargurado pelo tempo que passa e pela incerteza dos tempos.

Por: Júlio Sarmento

* Antigo presidente da Câmara de Trancoso e ex-líder da Distrital da Guarda do PSD

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