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A grande invasão dos ornitorrincos

Observatório de Ornitorrincos

Nos tempos mais recentes, Portugal (onde a expressão “eu quero é tratar da minha vidinha” é considerada uma frase de guerra) tem assistido a relatos frequentes de surpreendentes aparecimentos de ornitorrincos na vida pública. É provável que o leitor pense que não há ornitorrincos em Portugal. É provável que o leitor não saiba contar até quatro sem passar pelo dezassete.

Como dizem os franceses, au contraire (à letra: “grande parvo!”). Tenho lido atentamente os artigos aqui escritos pelo meu caro amigo José Carlos Alexandre, cujo nome pode formar o anagrama “Jordan Sexo Seca Lacre”, embora não seja nada disso o que está aqui em causa. Mas permito-me acrescentar, se estamos à volta do alfabeto, que José Carlos Alexandre tem as letras A, C, E, J, L, N, O, R e S em comum com José Castelo Branco. Dito isto, não parece que haja nenhuma outra razão para voltar a falar no marido amantíssimo de Betty Grafstein ao longo do resto do artigo.

De acordo com uma citação que o leitor pode julgar inventada, da autoria do presidente do governo regional da Beira Interior, conhecido familiarmente por Doutor Lecas, os ornitorrincos constituem uma preocupação prioritária, imediatamente a seguir aos incêndios de verão, à pedofilia e à violência doméstica (o leitor, se para isso tiver pachorra e mau gosto, inclua aqui as piadas sobre “órgãos sexuais masculinos mais pequenos que o normal”, por favor). A crescente preocupação com a praga de ornitorrincos aumenta também de dia para dia nos jornais da TVI. A consternação que nos querem ocultar torna-se evidente na seguinte conversa entre autarcas da região:

Primeiro autarca da região: “Vou retirar-me para escrever as memórias.”

Segundo autarca da região: “Importa-se de me sair da frente?”

Terceiro autarca da região: “A minha mulher queria dar-lhe uma palavrinha.”

Felizmente para o futuro do nosso país, trago hoje uma sugestão para os responsáveis políticos da nação. Dêem um pontapé no nariz de José Saramago. Ou então leiam vinte páginas do Jangada de Pedra em voz alta sempre que Ferro Rodrigues esteja presente.

Agora a sério. A minha sugestão não envolve a protuberância nasal de Saramago, nem sequer fazer uso de livros do nobelizado para qualquer fim que não seja servir de acendalha para lareiras. No entanto, as minhas propostas talvez possam incluir acções de bombardeamento a fábricas da Tabaqueira ou gritar o nome completo de George Bush nas várias manifestações do Bloco marcadas para esta semana. A minha ideia original prende-se mais com aquilo que os franceses chamam “coup de grace” (do francês “coup”, não fazer, e “de grace”, nada). O procedimento habitual (talvez os interessados queiram apontar isto num papel) costuma ser efectuado em duas fases: primeiro, vender lotes de terrenos a empreiteiros para construir prédios com lojas paquistanesas no rés-do-chão; depois, correr à volta de uma rotunda, no sentido inverso ao do trânsito. Há quem diga que uma terceira operação, que consiste na remoção das cordas vocais dos vocalistas das bandas de heavy metal, possa estar relacionada com a prevenção de ornitorrincos. Eu estou convencido que esta última acção é apenas para promover o bem-estar colectivo. Mas em vez disso, os nossos líderes pensam que os ornitorrincos não existem neste mundo real e, de forma irresponsável, tem dito aos portugueses que “pior, pior é o acne juvenil e o Óscar Branco no Levanta-te e Ri”.

O Interior, sempre atento aos problemas que afectam o povo (qual Manuela Moura Guedes), convidou-me a regressar a este espaço para ajudar os leitores a identificar os ornitorrincos que pululam por esse país fora, mesmo os que estão disfarçados de patos, ursos, camelos, advogados e outros animais selvagens.

Post-scriptum: “O Surpreendente Aparecimento de Ornitorrincos em Portugal” seria um óptimo nome para uma maqueta de hip-hop de uma banda de garagem da Damaia ou um livro de contos eróticos de Manuel Jorge Marmelo.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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