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A aldeia fantasma do concelho do Fundão

A desertificação e o isolamento está a pouco mais de 15 minutos da cidade

A cerca de dez quilómetros do Fundão existe uma verdadeira aldeia fantasma. No Casal de Santa Maria, uma anexa da freguesia do Telhado, há muito que o silêncio tomou conta da localidade, num cenário de desertificação cada vez mais frequente por terras do interior.

Para contar as histórias de antigamente sobrou apenas um casal. Horácio Pereira e Maria Manuela, de 54 e 65 anos, respectivamente, são as únicas almas de um lugar onde raramente circulam carros e o telefone não chegou. Também o carteiro já não passa por lá há mais de duas décadas, embora pouco mais de quatro quilómetros de estrada sinuosa separem o Casal de Santa Maria do Telhado. Por ironia, a electricidade só chegou à aldeia há pouco mais de 10 anos, quando já só restavam meia dúzia de habitantes. «Mas chegaram a morar aqui mais de 40 pessoas», recorda Horácio Pereira. No entanto, e sobretudo a partir da década de 70, o abandono foi progressivo. «Uns casaram, outros morreram, muitos emigraram. E nós fomos ficando», acrescenta Maria Manuela. A coabitação com mais de 20 casas em ruínas não os incomoda. «Gostamos de aqui viver, é onde temos aquilo que é nosso», afirmam. Saneamento básico também nunca existiu. Há meia dúzia de anos, a Junta de Freguesia do Telhado mandou construir uma casa de banho pública para servir a totalidade da aldeia. Isto, numa altura em que, por ironia, apenas dois casal ali residiam.

Uma visita ao silêncio das ruas do Casal de Santa Maria é um verdadeiro exercício de memória. O casal que ali resiste e faz agora jus ao nome da terra ainda se recorda do pequeno largo onde eram feitas as festas populares ou se cozia o pão no forno comunitário. «No nosso tempo havia muitos jovens», relembram, acrescentando com alguma apreensão: «Nunca pensámos vir a ficar aqui sozinhos». A poucos metros da aldeia fica a capela da Nossa Senhora do Mosteiro. Mas há muito que terminaram as romarias por aquelas bandas, embora haja registos de que, no século XVIII, aquele fosse um dos pontos mais vivos da cultura popular e religiosa da Gardunha. De resto, a ocupação da zona do Casal de Santa Maria é muito antiga, existindo ali vestígios romanos de grande importância. Numa das janelas da pequena casa de Horácio Pereira e Maria Manuela existe mesmo uma Ara a Apolo muito rara. «Já cá vieram para a comprar, mas nós não a vendemos, a menos que nos dêem uma casa nova», avisa a mulher.

Crê-se que o local tenha sido, durante a ocupação romana, uma pequena villa de um indígena chamado Avitus, que acabou mais tarde por se converter ao sistema vigente e terá enriquecido, provavelmente graças ao minério que proliferava na região. Descontente com a degradação a que o local foi condenado está o presidente da Junta do Telhado. «Quando se trata de elaborar Planos de Aldeia parece que o Casal de Santa Maria não pertence ao concelho do Fundão», critica Aires Proença, acrescentando que nem o programa das Aldeias do Xisto «por ali passou». De vez em quando aparecem interessados em adquirir casas na aldeia, «mas ficam-se apenas pelas boas intenções por causa dos maus acessos», refere. Para complicar a situação, a maioria das habitações tem «dezenas de herdeiros que, na generalidade dos casos, não se entendem» quanto ao destino a dar aos imóveis devolutos. A única solução apontada pelo edil e que constitui, de resto, «uma grande ambição», é a venda de todas as casas em conjunto «a um qualquer investidor nacional ou estrangeiro». Para isso, Aires Proença vai fazer «brevemente» algumas diligências, tendo em vista a recuperação da aldeia fantasma do concelho do Fundão.

Rosa Ramos

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