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110 anos de Kate, The Great

Opinião – Ovo de Colombo

De todas as grandes atrizes – Davis, Bergman, Stanwyck, de Havilland – Katharine Hepburn é a menos acarinhada. A diva tem um talento desmedido, disso ninguém duvida. É a sua presença tão forte quanto as arestas angulosas do seu rosto pronunciado, a par da sua impetuosidade, que gera esse fantasma agridoce que assombra o mito da atriz. Pessoalmente, aqui revelo a minha verdade: sou fã da Kate, essa atriz fantástica, essa mulher culta (tirou o curso superior de Filosofia numa altura em que isso não tinha nada de comum), feminista (a sua mãe era sufragista) e repleta de uma androginia perversa (fazia questão de vestir calças, o que era uma consciente provocação). Mesmo não sendo apreciada por muitos, o AFI nomeou-a, em 1999, a maior estrela de cinema de todos os tempos. Não concordo. É certo que Kate tem uma carreira muito longa e sólida e pôde colocar mais Óscares no peitoril da lareira que qualquer outra atriz. No entanto, julgo que Bette Davis (que ficou em segundo), de tão acarinhada, deveria ter ocupado o posto supremo.

A falta de simpatia por Kate sempre existiu. A atriz, embora tendo um início auspicioso, foi considerada, em meados dos anos 30, veneno de bilheteira. A sua sorte mudou quando interpretou, na Broadway, a personagem principal (nela inspirada, precisamente) da triunfante peça “The Philadelphia Story”. Este projeto virou filme em 1940, tendo igualmente Kate como estrela. A partir daí, o público rendeu-se aos seus encantos e a diva passou a ter uma longa e bem sucedida carreira no cinema.

Quando penso na possibilidade de criar uma “boxset” de cinco filmes de Kate surge-me uma dor de cabeça porque me deparo com imensos títulos prestigiosos e sumarentos (e em vários géneros): “Little Women”, “The Philadelphia Story”, “Adam’s Rib”, “The African Queen”, “The Lion in Winter”… e, claro, a minha comédia favorita, a mais inteligentemente disparatada comédia que já foi realizada (e duvido que se volte a fazer tal loucura dado vivermos, hoje, num mundo seríssimo, cinzento, politicamente “muito” correto, enfim, hipócrita), “Bringing Up Baby”.

Ao falar de Kate é inevitável não mencionar Spencer Tracy, um dos melhores atores de sempre e, muito provavelmente, o homem que a atriz mais amou. Os dois são grandes em solitário, mas quando se unem, a magia acontece. E acontece num pretexto muito particular. Espanta-me que vários dos filmes em que ambos entraram sejam tão liberais, tão feministas, ainda mais quando vêm com o selo do estúdio mais conservador, a MGM.

Com filmes cheios de boas performances e cotações e uma lareira apinhada de Óscares, Kate, que nasceu há 110 anos, enche-me a alma cinéfila.

Miguel Moreira

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