Arrependimento

Escrever-te o nome na pele, tatuar a tua presença na vida, marcar para sempre esse nome com tintas e desenhos num gesto de pertença, de absorção da identidade. Escrevi-te em 2017, quando eras a minha luz, quando te olhava demoradamente ao entardecer. Eras o crepúsculo e a aurora, o presente e o futuro. Depois casamos e fomos devorados pelo quotidiano, triturados pela minúscula habitação, pelos valores das rendas, da luz, e explodimos quando a partilha teve um filho. Agora éramos três e todos marcados naquela tatuagem que ocupava o ombro e agora o braço. Cada gesto dedicava à vossa alegria e ao nosso entendimento. O amor deu lugar a umas querelas, depois umas desavenças, mais tarde umas discussões acesas. Era a criança, eram os encargos, era a limpeza do apartamento, eram os horários e quando tudo virava turbulência caiam acepipes de ciúme e aqui e ali pitadas de insulto. As diferenças acentuaram-se na proximidade, no confinamento, na fronteira dos egos cansados. Faltava espaço, tempo de silêncio, tempo de reflexão. Em 2020 a distância eram os silêncios interrompidos pelo chamamento da criança. Hoje não sei o que fazer da tatuagem, que é a segunda coisa que me prende àquele passado. Um filho para sempre e uma pintura com nomes que desejo apagar.