Às vezes é difícil causar uma impressão ao leitor ou transmitir-lhe uma ideia sem passar por frases feitas, lugares comuns ou metáforas já com muito uso. Todos os que escrevem se socorrem delas e não é sempre por falta de imaginação ou por preguiça. Procuro fugir-lhes, mas não é fácil. As que seguem são algumas das que mais me irritam:
Geometria variável: uma metáfora que tem mais a ver com mecânica do que com geometria, que muitos cronistas utilizam para sugerir que as condições políticas ou económicas de algo podem mudar com o tempo ou as circunstâncias. Ou então que determinado acordo é complexo. A evitar, a não ser pelos mecânicos que reparem turbos.
Silêncio ensurdecedor: alguém devia falar mas não diz nada. A expressão foi usada por alguém de que não recordo o nome e tem sido usada e abusada desde então. Por exemplo: o silêncio de António Costa sobre a decisão instrutória de Sócrates é ensurdecedor. Arranje-se outra.
Assobiar para o lado: muito usada no “Governo Sombra” e por vários cronistas. Serve para dizer que alguém finge que determinado assunto nada tem a ver com ele quando deveria estar a resolvê-lo.
A espuma dos dias: se ao menos lessem Boris Vian – e mais não digo (outra expressão demasiado usada).
A insustentável leveza de …: se Milan Kundera recebesse dez cêntimos por cada vez que abusam do título do livro dele sem nunca o terem lido (muitos limitaram-se a ver o filme, ou nem isso), seria rico.
Empurrar com a barriga: por favor, procrastinem de outra maneira.
Deitar o bebé fora com a água do banho: ninguém sabe porque se usa esta expressão, mas eu explico. Os bebés, na Idade Média, eram os últimos a tomar banho e a água já estava por isso muito suja, a pedir para ser deitada fora. Usa-se para as situações em que se desiste de algo bom a pretexto de um pequeno inconveniente. Por exemplo: retirar temporariamente de utilização a vacina da AstraZeneca a pretexto da pequena probabilidade de coágulos sanguíneos é deitar fora o bebé com a água do banho.
Rasgar as vestes: uma forma de ridicularizar quem se queixa de algo, quando deveria conformar-se ou reagir menos exageradamente. No fundo, uma forma de desviar as atenções para o sujeito. Por exemplo: estás a rasgar as vestes porque suspendemos a vacina da Astra Zeneca, mas não dás uma solução para o problema dos coágulos sanguíneos. Uma falácia, no fundo.
Bramir contra: quase o mesmo que a anterior. No fundo concordamos com o sujeito, não gostamos é que ele fale no assunto quando deveria empurrá-lo para a frente com a barriga, ou assobiar para o lado, ou fazer sobre um assunto um silêncio ensurdecedor. No fundo um pequeno episódio sem importância, perdido na espuma dos dias.
Crónica dos lugares-comuns
«Rasgar as vestes: uma forma de ridicularizar quem se queixa de algo, quando deveria conformar-se ou reagir menos exageradamente»