P – Qual foi a sensação de ver o helicóptero em que trabalhou a funcionar a milhões de quilómetros de distância?
R – Foi extremamente emocionante saber que os nossos motores contribuiriam para o sucesso desta missão, que conseguiu demonstrar, através do “Ingenuity”, que é possivel voar na atmosfera extremamente fina de Marte. Isto é um grande passo no desenvolvimento tecnológico que nos permitirá progredir mais rapidamente nas próximas missões de exploração espacial.
P – No que consistiu em concreto o seu trabalho no projeto?
R – Eu trabalho na Maxon Group, na Suíça, uma empresa que desenvolve e manufatura acionamentos de alta precisão e que já enviou mais de 100 motores para Marte. O meu primeiro projeto na Maxon foi a gestão técnica do desenvolvimento dos seis motores que controlam o movimento das pás do helicóptero Ingenuity, que se encontra atualmente a fazer história em Marte. Estes seis motores têm uma densidade de potência muito alta em relação à sua massa e volume. São extremamente pequenos, com apenas 10 milímetros de diâmetro e 20 milímetros de comprimento, e muito leves, com cerca de oito gramas de massa. Estes motores são baseados nos motores catálogos da Maxon, mas são depois reforçados para aguentar as vibrações e choques sofridos durante a descolagem e aterragem em Marte e para aguentar os ciclos de temperaturas no solo marciano, com temperaturas extremamente baixas.
P – Em relação ao seu percurso, como foi parar à UBI?
R – Sempre fui apaixonada pela aeronáutica e pelo espaço. Quando era pequena sonhava ser astronauta e quando era adolescente quis estudar na academia da Força Aérea, mas, depois de passar todas as etapas de recrutamento, fiquei colocada em quarto lugar e apenas existiam duas vagas para Engenharia Aeronáutica na FAP (Força Aérea Portuguesa). Então decidi seguir para a Universidade da Beira Interior (UBI), que tinha o único curso que oferecia engenharia aeronáutica no país.
P – Desde que acabou o Mestrado Integrado em Engenharia Aeronáutica na UBI, como tem sido o seu percurso?
R – Uma semana depois de apresentar a minha tese de mestrado comecei a trabalhar no CEiiA, na Maia, como engenheira de desenho no projeto de colaboração com a Embraer para o desenvolvimento do Elevator e Sponson do avião KC-390. Graças a este projeto tive a oportunidade de trabalhar nove meses nas instalações da Embraer, em São José dos Campos, no Brasil. No CEiiA cresci imenso profissionalmente e passei por várias posições. No final dos cinco anos e meio em que trabalhei neste projeto, no qual era a gestora do desenvolvimento do produto e a gestora de projeto do KC-390, candidatei-me e fui aceite na Maxon em meados de 2017. Desde então que tenho trabalhado em projetos para a aviação e para o espaço, porém desde o último ano que me dedico somente a projetos espaciais. Fico muito feliz pelas oportunidades que tive e pelos projetos fantásticos em que participei. Não poderia ser melhor!
P – Quais os projetos para o futuro, tanto no helicóptero da NASA em Marte, como a nível profissional no geral?
R – Estou neste momento a trabalhar noutros projetos muito desafiantes na Maxon, tal como o desenvolvimento de dois acionamentos para o IBDM (International Berthing and Docking Mechanism). É o mecanismo desenvolvido pela Europa para atracar grandes e pequenas naves espaciais à estação espacial internacional (ISS). Este projeto encontra-se atualmente em fase de qualificação pelo nosso cliente SENER, em Espanha, e espera-se que os primeiros mecanismos estejam a voar em 2023. E espero também trabalhar em futuros projetos para Marte, mas neste momento não posso revelar detalhes sobre essas possibilidades.
FLORBELA COSTA
Engenheira aeronáutica, liderou a equipa responsável pelos motores do “Ingenuity”, o primeiro helicóptero a voar em Marte
Idade: 32 anos
Naturalidade: Trappes (França)
Nacionalidade: Portuguesa
Profissão: Technical Project Manager for the SpaceLab (Gestora técnica de projeto para o espaço)
Currículo (resumido): Graduei-me em novembro de 2011 no mestrado integrado em Engenharia Aeronáutica da Universidade da Beira Interior (UBI); Trabalhei de novembro de 2011 a maio de 2017 no CeiiA (Portugal) e trabalho desde junho 2017 no Maxon Group como gestora técnica de projeto para o espaço; Frequento atualmente um MBA (Master in Business and Administration) na University of Strathclyde Business School no centro international suíço
Filme preferido: “Os miseráveis” (todas as versões)
Livro preferido: “A new earth”
Hobbies: Ler, correr, caminhadas, ténis e mergulho