Depois de assentar a poeira da passada sexta-feira, é tempo de ser feita a reflexão.
Segundo a Transparência Internacional, Portugal, no último ano, caiu do 30º para 32º lugar no índice de corrupção a nível mundial e na Europa, analisados os 28 Estados antes do Brexit, ficamos num triste e deplorável 14º lugar. Atrás de nós os mesmos de sempre, os tais de mentalidade “sul da Europa”: Espanha, Chipre, Itália e Grécia. Todos os países nórdicos continuam a liderar a tabela dos menos corruptos do mundo.
Em Portugal pouco ou quase nada se tem feito no combate a esta epidemia onde apenas 10% das denúncias terminam em condenação. Segundo a insuspeita OCDE, dos 250 arguidos condenados apenas 14 cumprem pena e muitos processos de menor dimensão nem sequer são incluídos nas estatísticas. Recorde-se que em 2020 houve mais de 1.000 processos arquivados.
Este fenómeno, que tem reflexo no sector público, faz perder ao Estado biliões de euros, estende-se às autarquias, à Segurança Social, aos clubes desportivos, às empresas, associações, partidos políticos e sobretudo à banca, que lidera. Quem não se lembra da Resiestrela, Cova da Beira, Face Oculta, Bragaparques, Macau, Expo, Tecnofarma, Freeport, vistos Gold, BPP, Espírito Santo, BANIF e agora esta vergonha descarada e despudorada da Operação Marquês.
É mesmo por isso que 80% dos portugueses acreditam que a corrupção está generalizada e para isso contribui uma série de fatores a que não são alheias as informações e estatísticas da OCDE:
O cantinho à beira mar plantado, é aquele que na Europa tem maior abandono escolar; o salário mínimo mais baixo; o maior número de analfabetos; a maior percentagem de diabetes, sida, tuberculose, fumadores, consumo de álcool e cannabis; a maior percentagem de suicídios, com quase dois milhões de portugueses a viver no limiar da pobreza, onde o contraste vai para os “offshores”, as grandes fortunas e, por exclusão de partes, o valor do PIB nacional a ser largamente ultrapassado por países como o Nepal, os Camarões, a Costa do Marfim, o Lesoto ou mesmo a Etiópia.
O país dos brandos costumes, das negociatas, tem (quase) por tradição, quiçá por vocação, a troca de favores, num misto de cumplicidade naquilo que vulgarmente conhecemos por cunha, por dar o jeito ou simplesmente mexer os cordelinhos e, a pergunta coloca-se:
Quem é que nunca meteu uma cunha? Habituados ao favorzinho, todos condenamos esta prática, mas quando nos toca todos acabamos por utilizá-la. Dizem que está no nosso ADN, neste país dos filhos da cunha, onde esta encaixa na manhosice matreira e hábil, sendo este o primeiro passo para a existência da corrupção em Portugal.
A justiça, num país democrático, tem sempre duas vertentes: a acusação e a defesa e, todo aquele que não puder defender-se, o Estado obriga-se a pagar, sendo que também aqui as desigualdades são gritantes. Uma justiça para ricos, outra para pobres. Um Ministério Público que demora a investigar, depois a acusar, com prazos a serem ultrapassados, tribunais a demorarem a proferir a sentença, com todos os recursos que daí possam advir, enfim uma justiça que demora anos a fio e, na maior parte das vezes, faz a montanha parir um rato. O episódio Operação Marquês é o último exemplo disto.
Salva-se, felizmente, o Tribunal da Opinião Pública, que embora não possa efetivar a sentença, condena, sem dó nem piedade e sem quaisquer subterfúgios os corruptos que continuam impávidos e serenos gozando os rendimentos, prejudicando a imagem da justiça e do interesse público, num rega-bofe de lá vamos cantando e rindo, tentando fazer de todos os outros parvos.
Pois bem, é por causa destas e de outras que aparecem os tais arautos da verdade escondida, desprovidos de quaisquer escrúpulos, que, aos poucos, vão construído processos vergonhosos utilizando, para tanto, a demagógica verborreia, conseguindo desta forma que quase meio milhão lhes entregue o voto.
Depois de tudo o que se passou na última sexta-feira, é tempo, mais que suficiente, de fazer ecoar este pedido inadiável, necessário e urgente a todos os decisores políticos com este enérgico e consciente grito de revolta:
Acabe-se com a corrupção. Reforme-se a justiça, porra…
A saga continua… até quando
«Dizem que está no nosso ADN, neste país dos filhos da cunha, onde esta encaixa na manhosice matreira e hábil, sendo este o primeiro passo para a existência da corrupção em Portugal»