Durante a semana alguns leitores de O Interior perguntaram a razão para haver uma continuação da recensão ao Almanaque de Santa Zita. A razão é simples. Parece-me injusto que este pequeno manual de vida não tenha a mesma atenção nos meios de comunicação que têm os livros de Alexandra Solnado ou as entrevistas a José Mourinho, uma vez que todos tratam do mesmo: conversas com Deus (ou qualquer outro nome que designe uma entidade sobrenatural omnipotente e omnipresente).
Neste livro, a voz de Deus faz-se ouvir pelas palavras de Mons. Alves Brás, um pensador contemporâneo de outros pensadores, sejam lá eles quais tenham sido. E a verdade é que isto se nota no estilo sofrido e incontido de Monsenhor Brás. Na pág. 35, o teólogo diz “Se quero ser utilizado para limpar as almas do pecado… dar-lhe lustro da virtude… ou o brilho da caridade ardente… tenho de me tornar farrapo… pela humildade…pela oração… pelo sacrifício.” Logo a começar, há um belo jogo de palavras: “limpar as almas” com “limpar as armas”, coisa que uma igreja pacifista como a Católica reprova. No entanto, a limpeza das almas é uma função legítima da Igreja de Pedro. Agora reparem no oximoro “dar lustro da virtude”. É sabido que a exegese oficial discorda da virtude da acção de “lhe dar lustro”, uma metáfora reconhecida por qualquer homem com mais de 12 anos com conhecimentos mínimos de Língua Portuguesa. O “brilho da caridade ardente” é outro dos belos momentos do livro, nomeadamente a atribuição de características ardentes à caridade, actividade que o pensamento mais habitualmente atribui a velhas beatas ou a mulheres de políticos, excepto nos casos em que acumulam estas funções. Termina depois com a beleza torturada de um Sá-Carneiro, transformando-se num “farrapo” da mesma maneira que Reed Richards se transforma no Homem-Elástico.
Nestas páginas encontramos também uma pequena lição para ir de férias em paz com Deus e com o mundo, embora este almanaque seja apenas para 2006, o que nos permite estraçalhar montras e esventrar tartarugas durante todo este Verão sem que Santa Zita se chateie connosco. Mas para o ano é importante “Descansar e deixar descansar”, uma alusão clara aos palhaços que se levantam logo de manhã em tempo de férias e às 8 da manhã estão a fazer uma enorme algazarra enquanto arrumam a tralha no Opel Corsa para ir passar um dia à praia fluvial. O Almanaque lembra também os cristãos que “estejam atentos aos sinais dos tempos e façam deles uma leitura evangélica”. Esta mensagem, embora pura, enfraquece a cristandade. Na verdade, uma leitura evangélica dos tempos tiraria da praia todas a mulheres em biquini e topless, bem como as revistas masculinas das montras dos quiosques. Sem isso a vida não faz sentido e a Igreja Católica condena o suicídio. O chamamento divino não se compadece com o “brazilian wax”.
O livro termina com um poema sobre o Natal, da autoria de MDAB, um poeta senegalês convertido ao cristianismo depois de ter comido meia dúzia de barrigas de freira e não ter engravidado nenhuma. “Milagre! Agora acredito em Jesus!”, foram as suas últimas palavras antes de ser morto à sacholada pelo capelão do convento, que entretanto havia perdido a primazia das solicitações. O poema acaba com os versos: “Jesus Menino – a LUZ / Luz que dissipa as trevas / Luz que dissipa a minha / Luz que dissipa a nossa escuridão”. Houve quem quisesse atribuir esta estrofe a Luís Filipe Vieira, mas logo consagrados especialistas disseram que a construção poética citada, embora de recorte literário pouco aprumado, exigiria ainda assim uma articulação vocabular que Vieira (o do Benfica, não o Padre António) claramente não possui.
O Almanaque termina com um mapa onde estão sinalizadas todas as casas de Santa Zita no País. Guarda, Casegas, Covilhã e Fundão têm a sua. Ela está no meio de nós.
Por: Nuno Amaral Jerónimo