P – Os contabilistas têm estado, tal como os profissionais de saúde, sem mãos a medir nos últimos meses. Que balanço pode fazer deste período tão conturbado?
R – Este período tem um equilíbrio difícil de obter entre saúde e economia. O confinamento e encerramento de muitas atividades económicas, o “lay-off” e outras indisponibilidades tiveram um impacto muito grande na atividade económica. A Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) rapidamente criou um espaço no seu site, “Os caminhos da retoma”, onde disponibiliza legislação, informações úteis, sempre em atualização e com o arquivo Covid-19. Tem sido um período excecional de criação legal que obriga a um acompanhamento intenso. Há diplomas do ano passado que já levam 27 alterações. Não tem sido fácil seguir este ritmo legislativo. A nossa Bastonária, Paula Franco, tem sido incansável, desmaterializando a legislação e apoiando nas consequências técnicas que a mesma tem. Nas reuniões livres, à quarta-feira, tem ajudado e apoiado os contabilistas certificados (CC) a operacionalizar a legislação e os apoios de modo a agilizar procedimentos e a uniformizar, num permanente contacto com o Governo e institutos públicos, além de participar em vários debates e explicar como se consegue operacionalizar tanta alteração. O nosso canal no YouTube aberto tem sido procurado por empresários e cidadãos, além dos CC, para recolha e consolidação de informação. O pode não pode da Lei tem dado um trabalho imenso. Os webinares sobre os apoios, prazos e outras atividades têm sido uma constante. Os CC estiveram permanentemente no apoio à economia, procurando que o impacto fosse o menor possível nas atividades e nos seus clientes. Direi – se a comparação me é permitida – que somos os médicos, os enfermeiros e os auxiliares da economia. Agradeço à Dra. Paula Franco o emprenho e a dedicação.
P – Como é ser contabilista durante a pandemia?
R – Como diz a nossa Bastonária na nota de abertura do Relatório de atividades de 2020, têm sido «heróis silenciosos das empresas, da economia e da sociedade civil». Com esta pandemia os CC souberam «agarrar as oportunidades» e «ganhar espaço» na sociedade. Houve novos desafios e a necessidade de, por vezes, reorganizar todo o sistema para o tornar mais resiliente, flexível e operacional face a urgência que vivíamos e à produção legislativa e de despachos governamentais das Finanças, Segurança Social e outros ministérios. A OCC passou, em 2019, com 60.714 esclarecimentos solicitados pelos CC para 128.726 em 2020, reduzindo o tempo de resposta. Houve necessidade de reorganizar os serviços, mas Paula Franco tem tido a sabedoria de fazer o que é preciso em cada momento.
P – Pode-se dizer que o contabilista é, por estes dias, um parceiro fundamental na sobrevivência das empresas?
R – Tem sido mais que fundamental. A pandemia também aproximou os clientes do seu CC, aumentando a confiança e relação entre ambos. O CC tem capacidade técnica, percebe de fiscalidade e contabilidade, mas a produção legislativa intensa e as permanentes alterações/correções têm obrigado a uma reformulação de processos permanente sem que muitas vezes o Estado tenha a agilidade e a capacidade para, a tempo e com método, disponibilizar os formulários e a informação com oportunidade. Outro problema é a própria capacidade dos sistemas informáticos que, em vez de online ficam offline, o que dificulta ainda mais o trabalho do CC.
P – Qual a lição que o setor pode tirar desta pandemia?
R – Acho que o Estado necessita de eliminar muitas redundâncias relativas à informação a prestar. Deve também fornecer a informação já enviada ao próprio Estado e não termos de a reenviar a diversos institutos, repetindo vezes sem fim os mesmos procedimentos. O Estado tem um caminho grande a percorrer com a informação que precisa e que está sistematicamente a pedir, quando muitas vezes já a tem no instituto mesmo ao lado. Tem de reorganizar os serviços e modernizar para simplificar mesmo, à séria. A OCC estará, como sempre, disponível para colaborar e evitar redundâncias não necessárias. Ser organizado não custa dinheiro.
P – Há contabilistas a mais ou a menos em Portugal?
R – Seria bom que Portugal tivesse mais contabilistas, nomeadamente contabilista público. Existem excelentes escolas de CC públicos e o SNC-AP deveria ser entregue sempre com a assinatura de uma CC (como acontece nas empresas), o que ainda não é uma realidade. Gostaria de ter um CC em todas as Câmaras, institutos públicos, Governo e entidades prestadoras de contras ao Tribunal de Contas, para aumentar a confiança dos cidadãos na informação contabilista do Estado. Este tem de ter a carreira de contabilista público e abrir concursos para a sua colocação. A Comissão de Normalização Contabilista tem um colégio de Contabilidade Pública que deve ter continuidade no Estado com o CC público.
P – O acesso à profissão é muito difícil. Acha que se deviam agilizar os procedimentos?
R – O acesso à profissão está regulamentado no Estatuto da OCC, aprovado na Assembleia da República, como acontece com todas as ordens profissionais. No Cap. V definem-se as condições de acesso, que passa por estágio e exame de forma a verificar os conhecimentos relativos à capacidade profissional e ao Código Deontológico. Ainda há dias fizemos a inclusão de mais novos profissionais na Ordem e entrega de diplomas: são sempre momentos muito bonitos e com a presença da nossa Bastonária.
LUÍS CAETANO
Vogal do Conselho de Jurisdição da Ordem dos Contabilistas Certificados
Idade: 57 anos
Naturalidade: Viseu
Profissão: Gestor
Currículo (resumido): Título de Especialista em Gestão e Administração; Professor adjunto convidado no IPTomar, IPLeiria (Leiria Business School); IPCoimbra (ISCAC); Diploma de Estudos Avançados em Gestão na UBI, correspondendo à parte letiva do curso de Doutoramento; Experiência profissional na indústria, seguros, banca e administração pública
Livro preferido: “A Riqueza e a Pobreza das Nações – Por que são algumas tão ricas e outras tão pobres”, de David S. Sandes
Filme preferido: “Call Girl”, de um particular amigo de uma amizade improvável, António Pedro de Vasconcelos
Hobbies: Sair para a aldeia, ver o chão, as árvores e os frutos, cheirar a terra