Um dos meus autores de referência é Albert Camus e no seu último livro de ficção publicado, “A Queda”, de 1956, desenvolvia um diálogo embebido em doses de genebra entre bares e canais concêntricos de uma Amesterdão noite dentro, entre duas pessoas que foram tentando descobrir através de desvivências quotidianas onde podia chegar o estado de degradação do humano.
A mordacidade e o humor do relato, que é uma das características recorrentes no ficcionismo Camuseano, faz-nos evidenciar a ambiguidade das relações, que se vão criando e desenvolvendo num quotidiano de competição promotora de um individualismo em crescendo, tão do agrado do estabelecido e sacrossanto mercado!
Voltando à “Queda”, recolhi este texto que assenta com grande eficácia na hermenêutica do discurso político: «Uma pessoa das minhas relações costuma dividir os humanos em três categorias: aqueles que preferem nada ter a esconder a verem-se forçados a mentir, aqueles que preferem mentir a não ter de esconder algo e por fim os que amam ao mesmo tempo a mentira e o segredo».
Porque estamos num período entre eleições, julgo que neste ano pandemicamente eleiçoeiro não irão haver alterações significativas no mapa distributivo dos eleitos locais, salvo nos locais onde os eleitos estão em fim de mandato, ou um ou outro acidente de percurso, mas que não vai alterar o status prevalecente no quadro politico do país, cada vez mais forrado com o veludo das cores do Bloco Central, de dois partidos que divergem no acessório e estão em sintonia no essencial e na distribuição dos favores, afinal a lógica de um determinado contexto político, que nunca me agradou muito.
Hoje os poucos motivos de discussão acabam por se reduzir às redes sociais, onde a chafurdice e a manipulação sórdida se confundem com poucas propostas sérias e muito menos discursos coerentes. Com cafés, tascas, bares encerrados, associados ao teletrabalho em ritmo acelerado e distanciamento social inibidor de participação em festas, concertos ou funerais, entre outros eventos, tudo o que pode ser motivo de controvérsia ou proliferação de cabalas limita muito qualquer trabalho de candidatura e fundamentalmente dificulta o trabalho das oposições!
Estamos numa fase perigosa, que é procurar saber quem está com quem nas eleições para as autarquias e entra-se no período em que se politizam as questões pessoais e pessoalizam-se as questões políticas, fator redutor de uma democracia que se sonhou participada e de defesa coerente de valores tão importantes como a liberdade e a cidadania plena!
Os discursos de alguns políticos estão cheios de pleonasmos, o que faz deles os asnos de serviço e responsáveis maiores pelo aviltamento que certa gente faz da democracia.
Muitas vezes ao ver tanta promiscuidade transumante na política local, lembro-me de um provérbio romano: «Qui cum canibus concumbent cum pulicibus surgente» («Quem se deita com cães acorda com pulgas»).