No momento em que discutimos e damos contributos para a intervenção do nosso eleito na Assembleia Municipal da Guarda ressalta-nos um conjunto de preocupações centradas no mapa de pessoal e, por conseguinte, na transferência de competências para os órgãos municipais nos domínios da Ação Social e da Educação.
A descentralização nem sempre é vantajosa, na medida em que também pode suscitar diversos inconvenientes, designadamente potenciar desigualdades no acesso das populações aos bens e serviços do Estado que efetivem direitos constitucionais, quando a transferência de competências não é universal e não vem acompanhada dos meios financeiros necessários para fazer face aos encargos decorrentes da assunção das novas responsabilidades.
Desde logo o disposto no artigo 5º, nº 1, da Lei nº 50/2018, de 16 de agosto, infere-se que, no âmbito do regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais, são previstos os recursos financeiros a atribuir a essas entidades para o exercício das novas competências; para tanto, o nº 2 do mesmo artigo institui que deve ser considerado o acréscimo de despesa em que as autarquias locais incorrem pelo exercício das competências transferidas e o acréscimo de receita que decorra do referido exercício; devendo, de acordo com o nº 3 do citado artigo 5º, serem inscritos nos orçamentos do Estado de 2019, 2020 e 2021 os montantes do Fundo de Financiamento da Descentralização que incorporam os valores a transferir para as autarquias locais que financiam as novas competências. Das mais de 300 propostas do PCP em sede de Orçamento de Estado para 2021 muitas incidiam sobre as autarquias, não para servir “clientelas”, mas para servir as populações e os trabalhadores. Infelizmente, foram chumbadas pelo PS/PSD/CDS com o apoio do CH e IL.
Em decorrência do exposto, a Lei nº 51/2018, de 16 de agosto, introduziu na Lei das Finanças Locais (cfr. Lei nº 73/2013, de 3 de setembro) um regime específico sobre o financiamento das novas competências das autarquias locais e das entidades intermunicipais, que corresponde ao seu novo artigo 80º-B, do qual resulta tão-somente que o financiamento das novas competências das autarquias locais decorrente do processo de transferência de competências considera o acréscimo de despesa e de receita em que estas incorrem pelo exercício dessas competências (nº 1); sendo que, até 2021, os recursos financeiros a atribuir às autarquias locais para a prossecução das novas competências são anualmente previstos na Lei do Orçamento do Estado, nos termos do artigo 5º da Lei nº 50/2018, e constam do Fundo de Financiamento da Descentralização previsto no artigo 30º-A da referida lei (nº 2); contudo, a dimensão exata dos recursos financeiros a atribuir às autarquias locais são distribuídos de acordo com o previsto nos diplomas legais de âmbito sectorial relativos às diversas áreas e domínios a descentralizar, nos termos da mesma lei (nº 3).
Na aceitação das competências previstas no Decreto-Lei nº 21/2019, de 30 de janeiro, que concretiza a transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação, ao abrigo dos artigos 11º e 31º da Lei nº 50/2018.
Pergunto onde houve um discussão aprofundada com os munícipes perante os recursos financeiros necessários para assumir os encargos subjacentes ao exercício das novas competências? Desde logo paira a imprevisibilidade sobre os impactos futuros da descentralização de competências sobre os municípios, designadamente nos planos organizacional, humano, orçamental e financeiro, o que contribui para alimentar as suspeitas e desvendar o enigma, ou seja, que por detrás dos chavões e princípios da descentralização de competências existe, acima de tudo, a pretensão de transferir problemas e descontentamentos para os municípios, sem que lhes sejam concedidos os meios e os recursos que permitam a sua resolução no interesse das respetivas populações. Daí a importância dos recursos humanos inscritos no mapa de pessoal da Câmara da Guarda e o respetivo aprovisionamento financeiro. Ou será que pretendem seguir o rumo de “privatização” com a efetiva degradação de serviços, como é visível na área do Resíduos Sólidos Urbanos (RSU).
Objetivamente, a realidade intrínseca do nosso concelho e distrito, cuja dimensão demográfica é sobejamente conhecida no patamar de despovoamento rural e envelhecimento populacional, mais ainda com a dispersão territorial com repercussões na acessibilidade aos serviços básicos da intervenção municipal como seja água e saneamento básico. Há ainda munícipes sem este bem fundamental disponível.
Não deixa de ser irónico como a descentralização de competências, tal como se encontra na Lei nº 50/2018, de 16 de agosto, pode desembocar num mero processo de transferência de encargos e de descontentamentos para as autarquias locais, cientes do problema dos transportes públicos, com as assimetrias na acessibilidade mais exacerbadas com o PART, uma vez que na área territorial da CIMBSE apenas três concelhos dispõem de transportes urbanos.
A equação é simples de resolver. Para que serve mais poder sem meios? Ter mais competências sem que estejam garantidos os recursos e as condições para o seu cabal exercício, como se resolvem os problemas das populações?
Sem estar alcançada esta premissa fundamental, o “cobertor de papa” de recursos existentes ou disponíveis afigurar-se-á demasiadamente curto para os constantes desafios colocados à gestão autárquica.
A opção ideológica do governo minoritário do PS com o PSD de impor às autarquias locais as responsabilidades que se pretendem agora transferir e, consequentemente, desresponsabilizando-se o Estado central das suas funções e obrigações ao nível das Funções Sociais do Estado, sem que esteja garantida a adequação e consolidação dos recursos financeiros, humanos e patrimoniais a alocar para o exercício das novas competências, não haverá autonomia local que resista, com o consequente esvaziamento do Poder Local.
Sabemos bem qual a pretensão de liquidar a autonomia do poder local democrático, uma das conquistas de Abril, onde, a par do SNS, se evidenciaram ganhos para as populações, mesmo com os sistemáticos roubos nas transferências financeiras para as autarquias.
O trabalho, honestidade e competência deve-nos guiar em todos os domínios da nossa intervenção da gestão pública, mas agora mais do que nunca perante os ardilosos ataques ideológicos aos comunistas e seus aliados nas autarquias, mesmo em minoria.
Militante do PCP