Já por diversas vezes me referi nesta crónica ao processo de degradação na relação que o hospital da Guarda mantém com a sua população. Julgo não errar muito se disser que a ULS da Guarda é a maior empresa do distrito ou, pelo menos, uma das maiores. Que mais não fosse por esta razão, dos políticos da região deveria esperar-se mais na defesa de uma instituição que deveria ser vista por todos como um património e riqueza comuns. Infelizmente, não é isso que vem acontecendo.
Compulsando o meu arquivo de notícias sobre o nosso hospital com origem na imprensa escrita ou nas próprias televisões, são inúmeros, nos últimos anos, os alertas para a progressiva perda de importância de algumas das nossas valências clínicas. Entre todas as especialidades há uma que salta à vista por se ter tornado na medalha de ouro do descalabro: a Oftalmologia.
Um dos jornais locais referia, já em julho de 2016, que «a proposta de Rede de Referenciação em Oftalmologia prevê que os doentes da ULS da Guarda sejam referenciados para o Centro Hospitalar da Cova da Beira». Nessa mesma notícia os números de consultas, cirurgias e meios complementares de diagnóstico das duas instituições, a da Guarda e a da Covilhã, revelavam uma vantagem arrasadora a favor da Guarda, razão pela qual nem sequer vou aqui reproduzi-los. O mais curioso é que o médico que abraçou na altura a defesa do serviço de Oftalmologia da Guarda, manifestando-se publicamente contra a proposta governamental de dar primazia à Covilhã, nem sequer se encontrava – à data – a prestar funções na instituição. Dos políticos da nossa região, nomeadamente dos mais profissionais e daqueles que nos representam na Assembleia da República, não se ouviu na altura uma palavra…
Posteriormente, em dezembro de 2019, foi o mesmo médico – já regressado à instituição – quem foi à Assembleia Municipal da Guarda, numa intervenção que caiu como uma pedrada no charco, alertar para o colapso iminente da Oftalmologia. Dos políticos da terra voltou a não se assistir a qualquer reação digna de monta, e isto apesar de na sua última edição de janeiro de 2020 o jornal a que me referi ter escarrapachado na primeira página o prenúncio do que estava para acontecer: «Médico alerta para o risco de “colapsar dentro de dias” a atividade do Serviço de Oftalmologia do hospital da Guarda». A própria SIC referir-se-ia ao assunto em 2 de fevereiro de 2020, pelo que é impossível aos nossos políticos alegarem desconhecimento sobre a matéria. A tempestade foi detetada a tempo, medida, cartografada, dissecada, e, mesmo assim, ninguém levantou um dedo para impedir a inundação de desgraça que se seguiu!
A ULS da Guarda tem um orçamento anual superior a 100 milhões de euros. Os números fornecidos pelo tal médico à Assembleia Municipal permitiram-nos perceber que em 2019 a Oftalmologia foi responsável por – pasme-se – quase 39% de todos os atos cirúrgicos da instituição! Não é preciso saber-se muito de gestão para se compreender a importância que esta especialidade tinha no financiamento do nosso hospital…
Entretanto, há dias, em conversa com alguém com responsabilidades na hierarquia do hospital, fiquei a saber que nos últimos 18 meses a Oftalmologia perdeu seis médicos. Isso mesmo, seis! Quis crer que esta implosão de recursos só por coincidência sucedeu sob a égide da administração de Isabel Coelho. Mas quando soube que um dos membros da mesma administração verbalizou recentemente – em público – a hipótese de o serviço vir a encerrar, percebi que o facto de o mesmo se encontrar sem diretor há já um ano e de não realizar qualquer cirurgia há nove meses não aconteceu por acaso.
O consulado de Isabel Coelho na ULS tem sido desastroso em muitos aspetos, revelando uma incompetência sem par. Mas a sua marca de água vai ser, para sempre, o colapso da Oftalmologia na Guarda. O que fica por perceber é o que levou alguém da cidade a escolher este desígnio. É que fazer pior não é difícil. É simplesmente impossível!