Sem pensar demasiado, fez as malas e partiu. Quis testemunhar a realidade em Moria, na ilha grega de Lesbos. Ali, Mariana Santos, estudante do terceiro ano de Medicina da Universidade da Beira Interior (UBI), encontrou cerca de 13 mil refugiados oriundos da Síria, Afeganistão, Iraque e Irão, num espaço pensado para albergar entre duas a três mil pessoas. Centenas destes habitantes são crianças desacompanhadas. «O que vi, de facto, foi totalmente desumano, foi cruel. Não há condições para acolher estas pessoas», lamenta a jovem de Vila Nova de Gaia.
O campo de refugiados de Moria é há muito uma catástrofe humanitária. Foi criado para ser um centro de registo transitório para dois mil sírios que fugiam da guerra, quando, em 2015, as chegadas começaram a aumentar. No ano seguinte a União Europeia assinou um acordo com a Turquia (sob a forma de apoio monetário) para que esta impedisse mais pessoas de abandonar a sua costa e aceitasse de volta quem, mesmo com restrições, tivesse conseguido chegar à Grécia. O acordo não correu como planeado, aumentando o número de refugiados em Lesbos. O local perdeu turismo e ganhou indignação da população local, que se via prejudicada. Numa visita a Lisboa, o ministro adjunto dos Negócios Estrangeiros da Grécia, Miltiadis Varvitsioti disse mesmo ao jornal “Público” que o país não queria «passar a mensagem de que toda a gente que chega à Grécia vai sair dos campos logo de imediato».
Mariana viu o impacto desta “mensagem” nos seus dois meses de voluntariado: «Estive a trabalhar muito na parte de clínica, enquanto estudante de Medicina, e existem inúmeros problemas a nível mental, inúmeras doenças psicológicas. Cerca de mais de vinte crianças automutilaram-se e duas tentaram o suicídio apenas no início deste ano (entre janeiro e março). São números de facto alarmantes», recorda. Relatando dados da organização Médicos sem Fronteiras, a estudante gaiense diz que «existe apenas um posto de abastecimento água para cada 1300 pessoas» e «uma casa de banho para cada 200 pessoas». Além disso, os residentes do campo têm de esperar cerca de três horas para ter uma refeição.
Pandemia foi «uma catástrofe em cima de outra catástrofe»
No dia a dia Mariana Santos estava inserida na vertente de farmácia, geria a medicação dos pacientes, mas também dava assistência a médicos e enfermeiros durante as consultas. O mais comum era tratar de «ferimentos, queimaduras, esfaqueamentos», mas também surgiam «muitas erupções na pele, mordidelas de ratos, de animais, de cobras», além de infestações de piolhos em crianças e sarna que «era um problema muito grande dentro do campo». A covid-19 foi só «uma catástrofe em cima de outra catástrofe», pois apesar de o campo ter sofrido uma reorganização que possibilitava a triagem dos doentes suspeitos, nada podia ser feito para os colocar em isolamento, por falta de condições. «Mesmo que estivessem infetados o contágio ia ser drástico e ia-se alargar aos restantes membros da família», explica a jovem.
O incêndio do passado dia 8 de setembro – que foi provocado pelos próprios residentes do campo, após o anúncio de que os 35 casos confirmados de covid-19 seriam transferidos para uma área especial de isolamento – «não é um acidente isolado», garante, «mas é praticamente o resultado de políticas europeias negligentes e cruéis». A estudante diz por isso que é urgente trabalhar no sentido da integração. «A população tem vindo a ficar tão indiferente que é catastrófico aquilo com que nós nos deparamos. Quando vemos crianças a viver em condições desumanas sem qualquer tipo de educação ou acesso ao ensino básico. Estamos basicamente a tirar-lhes o futuro». A voluntária aponta o dedo à negligência da Europa, que diz ter «todos os meios necessários» para integrar mais refugiados.
«A vontade dessas pessoas [se integrarem] é tanta… eles neste momento estão apenas a lutar pela sobrevivência, e necessitam de facto de começar a viver», afirma. Por este motivo Mariana Santos destaca o papel de cada cidadão na defesa dos direitos humanos e a importância de aproximar este problema que se mantém demasiado longínquo. «Quando regresso a esta realidade e vejo a superficialidade, a futilidade com que as pessoas encaram a situação também acaba por ser bastante frustrante. Porque acho que o mais difícil não é ir, o mais difícil é de facto voltar. Voltar para uma sociedade que está tão intrínseca a esses valores, a esta indiferença», lamenta a estudante que assegura que vai regressar já no próximo ano. «Não faz parte de todos nós pôr uma mochila às costas e partir em busca do desconhecido. Cada um tem a sua própria missão e de facto há muito que podemos fazer a partir do nosso próprio país». Contudo, considera que «o normal devia ser lutar por direitos humanos».
Sofia Craveiro