Depois de tudo ter corrido bem na primeira fase da pandemia, com um confinamento exemplar e uma estabilização do número de casos, a curva que se queria primeiro estabilizada e depois a descer, não baixou. A razão parece óbvia e estará ligada a um desconfinamento demasiado precoce. Não houve aqui, mérito nosso, as asneiras do Brasil e dos Estados Unidos da América, em que a desvalorização do risco e a manifesta impreparação dos presidentes para esta crise precipitou a catástrofe. Os nossos pecados foram outros.
Antes de mais, o sol. Não é possível manter fechados em casa dez milhões de portugueses com o regresso do bom tempo. A maior parte das nossas casas são feitas para se dormir lá, e não para se viver. Há demasiadas famílias a viver em espaços minúsculos, mal isolados, onde às 10 da manhã já estão 30 graus, a temperatura vai continuar a subir durante o dia e nunca desce verdadeiramente.
Depois há a falsa segurança da aparência. Senta-se alguém à minha frente e parece saudável. Eu também parecerei saudável, achaques e velhice aparte. O vírus é minúsculo e invisível à vista desarmada. Para quê usar máscara?
Temos ainda a relação de causa-efeito. Alguém adoeceu, mas só apresenta sintomas muitos dias depois da contaminação. Uma vez que começámos todos a sair de casa, a socializar, a andar na rua, como saber qual o momento exato e em circunstâncias ficámos doentes? É claro que é fácil deduzir esse momento se tiver havido um comportamento de risco, mas há de certeza quem tenha sido contaminado sem nunca ter ido a uma festa de estudantes ou a uma manifestação.
Posto isto, tendo ainda em conta as dificuldades trazidas pelo próprio vírus, pela sua capacidade de difusão, pelo perigo dos assintomáticos, pela necessidade de todos de continuar em atividade, há que descobrir estratégias para o bater ou aprender a viver com ele com um mínimo de segurança. Teremos de insistir nas regras básicas, como evitar aglomerações ou multidões, contactos pessoais e todos os comportamentos de risco, mas também utilizar máscaras, lavar as mãos, tossir para o cotovelo ou espirrar para um lenço. Faltam mesmo assim outros meios, como a célebre aplicação de rastreio de contactos com infetados e, mais importante ainda, o estabelecimento de regras claras quanto à necessidade de testes e à oportunidade da sua realização.
Por exemplo: numa fábrica da Guarda apareceu primeiro um infetado e de seguida mais dois. Este episódio, como é natural, alarmou as famílias dos restantes funcionários e todas as pessoas que tivessem estado ou pudessem estar em contacto com eles ou com as famílias deles. Sabe-se que o vírus é muito contagioso e sabe-se que depois do contágio, e durante um número variável de dias, os contaminados, mesmo sem sintomas, podem contaminar outros. Seria natural por isso testar-se toda a gente nessa fábrica, sobretudo sabendo-se ainda que o vírus tem tendência a disseminar-se rapidamente em espaços fechados, com muita gente em contacto próximo, como sendo lares, escolas e fábricas. Pois parece que não, segundo as autoridades de saúde não há necessidade de testar toda a gente nessa fábrica. Será mesmo assim?