Um golpe na democracia

Há momentos em que obrigatoriamente não podemos ficar sentados no sofá. Há momentos em que não podemos calar perante a ignomínia. Há momentos em que temos de tomar posição mesmo que não queiramos intervir na política, que não queiramos assumir posição sobre este ou aquele partido, que não queiramos descer à discussão pueril e obtusa dos políticos, que não queiramos falar sobre a vida pública e os seus dirigentes… Este é um desses momentos.

Aquilo que PS e PSD se preparam para aprovar na Assembleia da República é uma afronta à liberdade e à democracia, é um recuar no tempo, é um abrir caminho para o autoritarismo e à autocracia. E se quem está no poder, António Costa e o PS, se pode esconder por detrás da cortina do poder, Rui Rio e o PSD não têm onde se esconder: foi o líder do maior partido da oposição quem propôs este atentado às liberdades, ao escrutínio e à vigilância.

Rui Rio acha que o primeiro-ministro não tem de responder quinzenalmente a perguntas na Assembleia da República e esclarecer o que o governo anda a fazer («tem é que trabalhar», porque prestar contas, em democracia, no parlamento, para Rio não é trabalhar)- inacreditável.

Rui Rio não gosta de oposição, não gosta de magistrados, não gosta de jornalistas, não gosta de atores, não gosta de artistas, não gosta de cultura, não gosta de ambientalistas, odeia tudo o que mexe sem ser à sua maneira…

Ana Sá Lopes escreve no Editorial do Público de hoje que este é «o ADN salazarista de Rio e Costa». É verdade. Costa aproveita os tiques salazarentos de Rio e este quer liderar uma democracia iliberal ao melhor estilo húngaro. Quando Rio citou Salazar para dizer que «A minha política é o trabalho» muitos militantes social-democratas ficaram atónitos, mas nada fizeram…

Este não é o PSD de Sá Carneiro.

Este não é o PS de Mário Soares.

Que os maiores partidos da democracia portuguesa se juntem para evitar o debate parlamentar quinzenal é um golpe sobre o regime democrático de que o PS e o PSD foram os principais protagonistas desde 1974 (em Inglaterra como em Espanha, ou na maioria das democracias do nosso contexto, os líderes do governo vão semanalmente ao parlamento prestar contas).

A posição de Rui Rio é um opróbrio que deslustra o regimento e põe em causa o futuro da democracia, porque os regimes mudam por afrontas e circunstâncias como esta.

 

 

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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