Independentemente da vitória clara do PS e da formação do novo Governo, a votação no círculo da Guarda para as eleições legislativas de 6 de outubro foi, em termos objetivos, um mau exercício de participação democrática.
O problema já vinha de trás, uma vez que a perda de população levou a que um dos quatro deputados que habitualmente eram eleitos pela Guarda tenha sido perdido nestas eleições para Lisboa: a Guarda baixou para três deputados apenas, Lisboa passou a eleger 48 (Viseu também perdeu um deputado para o Porto).
Como se isto já não fosse suficientemente mau, o 48º deputado eleito em Lisboa foi, precisamente, André Ventura, o primeiro parlamentar a entrar na Assembleia da República depois do 25 de Abril com um discurso abertamente xenófobo e racista. Uma desgraça nunca vem só.
É tudo? Infelizmente não é tudo.
Como se não bastasse ao distrito da Guarda estar a perder população, como se não bastasse um deputado que podia estar a representar a região da Beira Alta ter sido substituído por um populista que encarna o pior que a política europeia e mundial têm para dar neste momento, como se não bastasse, enfim, o círculo da Guarda ter uma das mais altas taxas de votos desperdiçados de todo o país (o segundo partido mais votado, PSD, teve pouco menos votos [26.343] do que o PS [28.783], mas só elegeu metade dos deputados, ou seja, um), como se não bastasse tudo isso, a Guarda teve uma das maiores abstenções de Portugal inteiro: 49,42%!
Isto significa que, perante as dificuldades que vive, perante a sangria de pessoas, de dinâmicas e de recursos para outras regiões, quase metade dos eleitores da Beira Alta opta, neste momento histórico, por não ir votar. De todos os males que se enumeraram, este é, a meu ver, o pior de todos!
Só três razões poderão justificar uma coisa destas: a indiferença, a passividade, o conformismo. O resultado desta demissão política coletiva em grande escala compromete a legitimidade de reivindicar melhores condições de vida. E dá de nós, beirões, uma péssima imagem.
Bem sei que uma parte desta abstenção é técnica: calcula-se que 19,6% dos eleitores inscritos na Guarda já não residam no distrito. Mas, mesmo se esse indicador estivesse corrigido, a Guarda continuaria a ser um dos distritos mais abstencionistas do país.
Assim, não vamos lá. Quando uma comunidade se demite do seu direito e do seu dever de participar na vida democrática, perde o seu instrumento mais poderoso para lutar pelo desenvolvimento. Na Guarda, ou em qualquer lugar.
* Dirigente sindical