Entrou em vigor no passado dia 16 de Agosto, a obrigatoriedade de apresentar a Ficha Técnica da Habitação (FTH), no acto de escritura de compra e venda de imóveis. Os requisitos a que obedece a publicidade e informação disponibilizada ao consumidor no âmbito da aquisição de imóveis para habitação, a constar na FTH, foram publicados em DL 68/2004 de 25 de Março, diploma que determinava a publicação do modelo da referida ficha, num prazo de 90 dias. Aconteceu a 16 de Julho, pela Portaria 817/2004, determinando a entrada em vigor 30 dias após a sua publicação.
Dentro destes prazos, supostamente do conhecimento dos organismos envolvidos (associações profissionais, organismos da administração central e local, consumidores), nada foi preparado para que a entrada em vigor não gerasse conflitos. A verdade é que a Direcção Geral de Registos e Notariado só enviou uma circular interna aos cartórios notariais, e nem sequer a todos, no próprio dia da entrada em vigor o que fez com que, em alguns casos, se procedesse à escritura de imóveis e noutros não, pondo em causa o princípio básico da igualdade de direitos. Esta situação é, também, reveladora de alguma falta de disciplina dos organismos da Administração face às leis que os regem.
Por outro lado, é curioso que os organismos interessados venham, aparentemente só agora, alegar a inutilidade de algum informação constante da FTH, fazer referência a erros técnicos e à falta de envolvimento de arquitectos, engenheiros, promotores imobiliários, Instituto do Consumidor, na elaboração do modelo publicado. Talvez o tenham feito antes, mas a verdade é que não gerou efeitos. E assim se vai legislando. Pergunto-me se não há momentos certos para as coisas se fazerem.
Facto é que, mesmo com erros e críticas, a ficha está em vigor, é obrigatória e há coimas para quem não cumpre. A verdade é que os promotores imobiliários, responsáveis máximos pela sua elaboração, não se prepararam para o facto de terem que a apresentar. A verdade é que as câmaras municipais não fixaram as taxas de depósito do exemplar da FTH. A verdade é que, no dia 16 de Agosto, ninguém sabia o que fazer, mesmo passados 120 dias da publicação do diploma que designava a informação que devia constar na ficha. Este desinteresse, associado ao facto de todos apregoarem a extrema importância de reforçar os direitos do consumidor à informação e à protecção dos seus interesse económicos bem como assegurar a transparência do mercado, deixa transparecer o mau funcionamento de todo o sistema.
Pessoalmente, concordo com as críticas apontadas, em particular no que respeita à definição das áreas, que teve como base o R.G.E.U., o que já noutras situações criou conflitos, inclusive nas fichas de identificação para fins estatísticos, a que se refere o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. Porém não acho inútil, como foi dito por alguns, referenciar todos os materiais, a sua origem e garantias. E é aqui que me parece residir o principal problema. O promotor não está preparado para se responsabilizar por aquilo que não representa uma preocupação no seu dia a dia, aquilo que nunca foi tido em conta e que sai completamente fora dos padrões de exigência do comprador comum, que é quem regula o comportamento dos promotores.
Não raras vezes, não é dado cumprimento, em obra, ao estabelecido em projecto. A reforçar a debilidade dessa situação, aparece ainda a falta de rigor de muitos desses projectos. São disso prova, por exemplo, os mapas de acabamentos que acompanham a grande maioria dos projectos de licenciamento que dão entrada nas câmaras municipais. Na verdade, a obrigação de definir tão especificamente os materiais torna-se, também, um fardo pesado para os projectistas que trabalham, em geral, de forma lacónica e, por isso, leviana. Ressalta a importância de rever quem pode ou não ser autor dos projectos de arquitectura. Encalham as obras projectadas e executadas por “patos bravos”.
Fica a dúvida da capacidade da lei reflectir o princípio que lhe deu origem e, finalmente, fazer aumentar a exigência no que respeita a padrões de qualidade. Fica a mágoa de viver numa sociedade tão passiva e tão pouco exigente, a tantos níveis.
Por: Cláudia Quelhas