A propósito de uma entrevista da ministra da Saúde, achei-me numa acesa discussão. Do lado mais empolgado surgiam, evidentemente, os médicos. Acharam, e muito bem, indecente a possibilidade de uma proposta comunista, arbitrária, em que o Estado queira “obrigá-los” a permanecer no sistema público por um período de tempo que compense o que investiu na sua formação.
Reagi logo a seu favor! Se é para evitar arbitrariedades, contem sempre comigo. Manifestei logo a minha total predisposição para ver o fim do monopólio formativo do Estado. De imediato, fui presenteada com uma rajada de reações. Animada pelo sucesso da minha achega, fui mais longe, assumi que, se calhar, não seria má ideia acabar, desde já, com o SNS. Quem é que quer ser atendido num hospital público, ou num centro de saúde? Ninguém! Simpatia e bom atendimento encontram-se nos hospitais e clínicas privadas. Já para não falar nas condições de trabalho! Tudo limpinho, organizado, bonito, climatizado. Um mimo! Os profissionais, de tão felizes por ali trabalharem, têm que ser muito melhores que os do SNS, onde, para além de lhes pagarem mal, os tratam como escravos da clientela. Inchada com tantas reações, nem cuidei de perceber se eram boas ou más, tratei logo de sustentar, ainda mais, a “ideia” para, achava eu, mobilizar logo ali mais meia dúzia de adeptos.
Depressa a vaidade se me desvaneceu. Então não é que os bons dos doutores, numa inesperada reviravolta, se insurgiram todos. Contra mim, claro! De ignorante a fascista, tudo me chamaram. Eles não se queixavam, e bem, do serviço público de formação e de prestação de cuidados médicos? Da falta de concorrência no sector, própria dos regimes ditatoriais comunistas? Não era a livre concorrência que defendiam? Pois, parecia, mas não era! O que defendiam, e mal, era assim um sistema, para o turvo, em que a iniciativa privada fosse sustentada pelo dinheiro público. Qualquer coisa entre a formação dos profissionais e a prestação de cuidados de saúde ser paga pelo Estado, mas com a prerrogativa de estes poderem escolher onde e quando querem ser, precisamente, funcionários do Estado. Ora, francamente, vi logo que aquilo mais não era que um gangue de desonestos! Um monte de indecisos, só meio capitalistas e só meio comunistas, uns novos ideólogos de um desconhecido regime.
Reparo, depois, que a história nunca se fez de duas penadas e também não será agora que tal vai acontecer. Por vezes, um ou outro acontecimento leva-nos a quase acreditar que o rumo já foi traçado, mas depois acabamos por chocar de caras com pessoas suficientemente incoerentes para acreditar que não. No fundo, no fundo, poucos são os interessados em purismos ou em precipitar-se fundamentalismos abaixo. Para além de nos tornarmos mais terrenos sempre que resistimos à mudança. E, só quem não pressente a grande mudança que um “simples” telemóvel significa poderá ainda condenar todas estas irrupções, funcionárias e assalariadas, pelos passeios do atual quotidiano. Felizmente, a julgar pelos presentes mais trocados nesta época, telemóveis, consolas e outros que tais, penso que já poucos serão os incólumes a tal pressentimento.