A mulher de Miguel Torga chamou-lhe um dia de «coleccionador de prémios», uma fama que Serafim Ferreira confirmou na semana passada ao receber em Gouveia o nono galardão da sua carreira literária. O romance histórico “Clenardo e o Príncipe” foi distinguido com o Prémio Vergílio Ferreira 2003, tendo o júri considerado que a obra «honra o prémio e a memória de Vergílio Ferreira», disse na ocasião o seu presidente, Alípio de Melo, para quem o livro «lê-se de um fôlego». A cerimónia ficou ainda marcada pela apresentação de um esboço do DVD de divulgação da obra do romancista natural de Melo, actualmente em preparação pela autarquia.
Natural do Porto, Serafim Ferreira conviveu de perto com Vergílio Ferreira, a quem dactilografou algumas obras, e integra neste momento a comissão que está a trabalhar na Biblioteca Nacional os inéditos e manuscritos deixados pelo escritor, falecido em Março de 96. “Clenardo e o Príncipe” é a narrativa do percurso intelectual do humanista flamengo Nicolau Clenardo (1493-1542), responsável pela educação do príncipe Dom Henrique, futuro cardeal, inquisidor-mor do reino e rei de Portugal depois da morte de Dom Sebastião. Com uma estrutura narrativa muito próxima dos cronistas de Quinhentos, sobressaem nesta obra as coincidências e as ironias da História, mas sobretudo aspectos determinantes do Portugal de então como o estabelecimento da Inquisição, a Batalha de Alcácer-Quibir ou a escravatura. «Como faço uma transposição do tempo, o meu problema residiu em encontrar as analogias e coincidências entre o tempo que escrevo e aquele que vivo. Contudo, 500 anos depois muitas daquelas coisas acontecem de outra maneira, sob outra fachada e com outros Clenardos», garante Serafim Ferreira, para quem Damião de Góis foi «uma espécie de João de Deus Pinheiro “avant la lettre”».
O autor não escondeu a «grande satisfação pessoal» pela conquista do Prémio Vergílio Ferreira, um galardão que acha «merecido e justo» e que o escritor de Melo «gostaria de ter lido», acredita. O livro, cuja edição é da responsabilidade da autarquia gouveense, como estipula o regulamento do concurso, já está disponível e foi um dos mais procurados no primeiro dia da pequena feira do livro promovida na Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira. Para Álvaro Amaro, presidente do município, este galardão é uma forma de «projectar e honrar» um grande expoente da literatura portuguesa: «A Câmara tudo fará para divulgar a obra de Vergílio Ferreira. E estamos a trabalhar nisso quando apostamos na produção de um DVD sobre a sua vida e obra, na informatização do seu espólio doado à Biblioteca Municipal e na preparação de um roteiro turístico-cultural com vários sítios na freguesia de Melo», disse o autarca, anunciando por outro lado que o município está «total e absolutamente» disponível para ajudar a financiar todos os investigadores que queiram estudar Vergílio Ferreira. Os critérios a seguir ainda não estão bem definidos, mas a atribuição de uma bolsa é uma hipótese em análise. «Preferimos investir primeiro nas pessoas e nos conteúdos e só depois nas estruturas e no betão, como o Centro de Estudos Vergilianos, um projecto que deve ser feito e que a Câmara está empenhada em concretizar», garantiu.
Luis Martins