Denton Welch é dono da sua magia, mas esta magia não envolve truques extraordinários, nem esquemas longamente trabalhados, em vez disso faz-se da simples acrobacia que é maravilhar-se com o que de mais simples há no mundo. Com apenas 20 anos, Welch foi atingido por um carro que o deixou para sempre inválido e, a partir daí, desenvolveu um estilo literário que a “Los Angeles Review of Books” apelidou de «Literatura da Convalescença». Apesar de ter começado a coleccionar objectos de arte, muito rapidamente ganhou este hábito de coleccionar letras e chorar as palavras que mais ninguém poderia chorar. Muitas dessas lágrimas foram desaguar ao seu livro “Na Juventude está o Prazer”.
Porém, não se iludam. Não é fácil fazer este exercício, e penso que só será possível entrar numa mente como a de Orvil Pym (alter ego de Welch) quando estacamos numa casa sem burburinhos. Pois só aí, quando o tecto emudece e nada acontece, ficamos prontos para transformar os dias vazios em ouro. William S. Burroughs conhecia bem esta capacidade e foi, precisamente, neste romance que bebeu a maior parte da sua inspiração. Mas antes de nos inteirarmos sobre essa estranha habilidade de fazer nascer algo belo a partir do nada temos de perceber que Orvil tem um corpo de 15 anos e o seu próprio «gabinete de sonho» e, por isso, a maior parte do seu mundo é guarnecido de intrincados pormenores: «De repente, enquanto observava tudo isto impassível, foi acometido por uma fome incomensurável. Passou muito depressa pelo pátio para ir buscar um livro a um pequeno gabinete que ficava do outro lado. Sabia que um livro na mão ou em cima dos joelhos lhe iria dar confiança para estar sozinho naquele magote de gente. Também daria mais sabor ao que fosse comer».
Obcecado com a comida, com a sua forma física e com a morte (a sua mãe morreu quando ele tinha apenas 12 anos e isso tornou-se assunto tabu nas conversas de família), Orvil está sempre pronto para se maravilhar com as coisas mais banais do dia-a-dia: ora é o pêssego melba que se parece com uma boneca de plástico, ora é o hotel que se assemelha a um quebra-cabeças chinês, ora é o chalé que está condenado ao abandono: «Orvil estava tão arrebatado com aquilo, e com aquela reentrância toda, que sentiu uma dor física ao pensar que nunca seria sua para cuidar e estimar. Estaria sempre aberta para os gaudérios do hotel e a qualquer momento os donos desinteressados poderiam destruí-la». Tudo pode ser motivo para quebrar, mas também tudo pode ser motivo para cantar a mais autêntica alegria e no abismo, que se cria entre a infância e a juventude, encontramos a voz de um menino que anda à caça de um tempo – no passado está a mãe, que não mais pode regressar; no futuro, está o Orvil que, em pele de adulto, se sente pronto para enfrentar a vida.
Poder-se-ia dizer que é uma história triste, mas penso que é mais como uma música dos Belle and Sebastian, ou seja, feliz (ainda que tímida) por estar triste. Mesmo assim, as palavras mais impactantes que li sobre este livro foram as de John Waters: «Talvez não haja melhor romance no mundo do que “Na Juventude está o Prazer”, de Denton Welch. Basta segurá-lo nas minhas mãos, tão precioso, tão superiormente alegre, tão deliciosamente subversivo, para fazer com que a iliterata seja um crime social pior que a fome». Se é na juventude que está o prazer eu não sei, mas em Denton Welch seguramente que está. Quem se atreverá a viver sem o êxtase destas palavras de veludo?
Melanie Alves*
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
**Pode visitar: www.aosomdapele.wordpress.com