Rita Hayworth, a minha estrela favorita, faria em 2018 100 anos de vida. É mais que justo prestar-lhe uma pequena homenagem e dar-vos a conhecer um dos seus desempenhos que mais aprecio, o pouco conhecido “Affair in Trinidad” (1952). Este filme constituiu o retorno de Rita à tela grande, depois de fracassado o seu casamento de quatro anos com o príncipe Aly Khan. Só por isso é inegável a sua importância e destaque na carreira e na história do mito Hayworth. Quando, para felicidade de imensos fãs, uma estrela de tal magnitude regressa a Hollywood, o sucesso de um filme é um dado adquirido. E assim foi.
O “noir” “Affair” foi um dos filmes de toda a carreira da ruiva que mais dinheiro gerou nas bilheteiras (se não mesmo o mais rentável). Porém, isso não significa que estejamos perante uma grande película. Além de bastante famoso por ser o “comeback” de Rita, “Affair” é igualmente conhecido por ser quase uma cópia descarada da muito mais conceituada “Gilda” (1946). Seguramente que a Columbia sabia que não tinha de gastar um elevado “budget”, nem fazer um filme demasiado elaborado para atrair o público. Bastava o retorno da atriz e imitar o seu papel mais inesquecível e glamoroso. E é aqui que reside o calcanhar de Aquiles de “Affair”. Este não é um mau filme ou muito pior que o seu antecessor, mas viverá para sempre na sombra da comparação. Como em “Gilda”, deparamo-nos com uma história que se desenvolve numa terra exótica, onde uma mulher sensual dança dois bailes e é disputada entre dois homens.
Fraquezas à parte, há que dizer que “Affair” é um produto decente e agradável. Realizado pelo subvalorizado Vincent Sherman, o filme tem um ótimo ritmo, uma cuidada fotografia (de Joseph Walker) e uma banda sonora apreciável (composta por George Duning). O argumento, escrito por James Gunn e Oscar Saul, ainda que não sendo nada de excecional, pouco convincente e bastante previsível, conta com alguns momentos interessantes, principalmente na cena em que Rita se põe a bisbilhotar o “anexo proibido”, sendo que nós, espectadores, sabemos que ela corre claramente o risco de ser apanhada. É um momento muito “à la Hitchcock” em que a audiência sabe mais que a personagem, temendo pela sua situação de perigo. E por falar em Hitchcock, é evidente a inspiração de Sherman, como ele próprio admitiu, não só em “Gilda”, mas também em “Notorious” (1946). Num filme como no outro, deparamo-nos com o suculento “cloak-and-dagger plot” em que uma mulher de decência duvidosa é levada pela polícia a “meter-se” numa mansão governada por um homem perigoso.
No que a aspetos positivos diz respeito, vale a pena mencionar os apreciáveis números de dança protagonizados por Rita e coreografados pela talentosa Valerie Bettis. Se tomarmos a famosa tese de Laura Mulvey de que, no cinema clássico de Hollywood, a personagem feminina foi constantemente explorada como um objeto erótico e passivo, podemos dizer que, de facto, Rita faz jus ao seu estatuto de “Sex Goddess” (principalmente quando dança). Todavia, também é válido considerar que a sua personagem se revela ativa e capaz de controlar a narrativa, como quando, por exemplo, baila de modo a atenuar o mau ambiente que foi instalado na festa do antagonista, já para não dizer, como muito bem considerou a investigadora Adrienne L. McLean (2005), que Rita, no número inicial “Trinidad Lady”, parece escarnecer vitoriosamente do voyeurismo masculino.
Miguel Moreira