Cara a Cara

«Gostaríamos que a Guarda pudesse ter uma companhia profissional de teatro com base no que é o Calafrio»

Escrito por Luís Martins

P – É novo presidente da direção da associação Calafrio. Quais são os projetos para este mandato?
R – Vamos dar continuidade a todos os projetos que vêm da anterior direção. No entanto, gostaríamos que a Guarda pudesse vir a ter uma companhia profissional de teatro, com base no que é o Calafrio. Ao que sabemos o distrito é o único que não tem, o que é uma debilidade estrutural. Ora o Calafrio tem, como já demonstrou, todas as condições artísticas para dar esse passo. Porém, não possui as condições económicas. Pode dar o passo da profissionalização desde que seja fortemente apoiado pelo poder local e pelo central. Neste momento é impossível; o subsídio que nos é dado representa apenas 10 por cento do que necessitamos. Ora, a profissionalização de uma pequena companhia exige um apoio expressivo. Para isso tem de haver vontade política. Uma coisa é certa: o Calafrio tem já um núcleo (com provas dadas) de uma futura companhia. Mais tarde ou mais cedo a Guarda vai ser confrontada com a debilidade que refiro, se quiser acompanhar o ritmo de outras cidades. Cá estamos nós à espera que o processo seja isento e imparcial. Outro projeto essencial é dotar a nossa sede, na Rua do Futuro, no Rio Diz, de condições técnicas e de conforto para o público, de forma que a cidade possa ter um pequeno espaço de programação que não seja comercial nem “mainstream” mas desafiante e inovadora.

P – À margem, ou marginal? Como define a associação a que preside no atual contexto cultural da cidade?
R – O Calafrio é uma associação independente, como todas deveriam sê-lo. São os seus sócios que definem, em liberdade, o rumo que querem seguir, rejeitando manipulações ou instrumentalização. Definimos um plano de atividades e tentamos cumpri-lo. Uma das características do Calafrio é que só tem sócios ativos, ou seja, participantes. Os nossos sócios são pessoas empenhadas na área da literatura, teatro, música, etc., há muitos anos! Desejamos contribuir para a dinamização cultural da cidade e da região, mas não aceitamos qualquer tipo de tutela. Devemos ser respeitados e tratados de forma isenta tendo em conta as várias iniciativas que promovemos, sobretudo, na área da criação (que é uma área muito pobre na cidade). O que somos tem sido merecedor de reconhecimento público, vindo muitas vezes de fora da nossa terra.

P – Quais são as principais dificuldades do Calafrio?
R – Escassez de apoios económicos locais e nacionais. O resto (equipa profissional, circulação pelo país, produções diversas) está dependente dos meios que temos. Se tivéssemos outros… outro galo cantaria. A título de exemplo: a nossa sede não tem sistemas razoáveis de aquecimento, o que na Guarda é um grave problema. Temos feito “milagres” no nosso espaço; há meses até criámos uma oficina de teatro para crianças. Vamos, pois, vencendo as adversidades.

P – E os apoios?
R – Recebemos um pequeno apoio da Câmara da Guarda no âmbito do apoio ao associativismo. Consideramo-lo insuficiente, tendo em conta o que fazemos (e que é público). A autarquia, perante o nosso insistente pedido, cedeu-nos uma antiga escola do Rio Diz. Preferíamos ter um espaço no centro histórico, onde poderíamos desenvolver atividades de animação criativa, mas estamos na periferia, com os “custos” que daí advêm (transporte, manutenção, dificuldade de mobilização, falta de sinalética, redobrar esforços de informação, etc.). Mas é… a nossa casa e estamos a tratar dela, ao mesmo tempo que iniciámos uma dinâmica que tem aquele espaço como centro. Apesar de estarmos sediados num bairro de moradias da periferia, temos conseguido atrair novos públicos. Temos também tido pequenos apoios de várias autarquias e entidades que nos “encomendam” trabalhos.

P – O Calafrio tem promovido espetáculos de teatro, de poesia, de música e tertúlias culturais. Que outras atividades espera organizar no seu mandato?
R – Vamos dar mais importância à criação teatral e à sua difusão pelo país. Estreamos, pelo menos, duas peças teatrais por ano e desejamos que circulem e sejam apresentadas noutros palcos. Produzimos também vários pequenos espetáculos que gostaríamos que fossem apresentados em bibliotecas, museus e centros culturais. Vamos dar outra dinâmica à nossa sede no Rio Diz, oferecendo à cidade uma programação diferente e de qualidade. Desenvolveremos igualmente o nosso plano editorial e daremos muita importância a iniciativas de cidadania, pois a Guarda bem precisa de espaços de debate, onde se possa exercer sem reservas o direito à opinião.

P – Como vê o panorama cultural da cidade?
R – Não confundo Cultura com entretenimento. Não confundo políticas culturais consequentes com marketing de eventos passageiros. Não confundo projetos de continuidade (que só muito tarde “dão frutos”) com fogo fátuo de êxitos e sucessos imediatos. Não confundo envolvimento e participação com arregimentação de públicos (crianças e idosos, incluídos). Não confundo comunidade com celebrações de personalidades. Não confundo animação cultural com cambalhotas e risada. Não confundo serviço público com “todos ao molho e fé em Deus”. Não confundo programação séria com agendamento de pacotes. Não confundo atividade artística com atividade comercial. Não confundo o que devem ser as missões públicas com o que são interesses pessoais. Não confundo apoio ao associativismo com controlo ou medo. Não confundo anúncios sérios e apoiados em diagnósticos credíveis com demagogia barata pintada de megalomania. Ando nesta vida “cultural” há tantos anos que já não me deixo confundir! À vossa pergunta respondo: É um panorama! Não tenho espaço para desenvolver minimamente uma resposta, nestas circunstâncias. Mas posso deixar um repto: faça-se um estudo (sério, claro) sobre “A cultura e as cidades” e compare-se, por exemplo, a Guarda com Castelo Branco e Viseu. Já agora, que seja um estudo diacrónico. Depois… falamos. É que eu não confundo “vida” com “panorama”.

 

Perfil:

Américo Rodrigues

Presidente da direção da Associação Calafrio

Idade: 57 anos

Naturalidade: Barracão (Guarda)

Profissão: Animador cultural

Currículo: Foi animador cultural no FAOJ e na Câmara da Guarda. Cofundou o Aquilo-Teatro, a Luzlinar e o CalaFrio. Encenou e foi ator em dezenas de peças. Escreveu livros de poesia, teatro e crónicas. É performer e autor de vários discos de poesia sonora. Dirigiu o Teatro Municipal da Guarda e coordenou a Biblioteca M. Eduardo Lourenço. Dinamiza atualmente projetos de intervenção sócio educativa. Licenciado em Língua e Cultura Portuguesas e Mestre em Ciências da Fala.

Sobre o autor

Luís Martins

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