No dia 7 de outubro de 1970, pasta às costas, cédula de nascimento e o registo das vacinas bem seguros na mão, mandaram-me para a escola. No caminho, os donos e empregados conhecidos das lojas perguntavam se já ia para a escola. Senti-me crescida, importante, por responder que sim. Já ia para a escola.
“Aqui a tem, professora Maria do Carmo”. “Trouxeste os teus livros de contos?” Perguntou-me a professora, mesmo antes de me fazer sentar numa das carteiras. Mau! Isto não começa bem, pensei. Então eram precisos livros de contos e ninguém se lembrou. “Vê lá o que trazes na pasta!” Ainda aflita, por não levar o que era suposto que levasse, tive uma pequena esperança que, por um qualquer milagre, no fundo da pasta nascesse um livro de contos. Comecei a tirar um caderno de duas linhas, outro de contas, um livro de leitura, outro de contas, um estojo… “Deixa, deixa! Olha, “lê” este livro. E não faças barulho!”
Costumo lembrar este dia pelos primeiros dias de todos os setembros e, depois, passo o resto do ano a tentar entender a estratégia pedagógica, muito mais eficaz que qualquer das práticas atuais, daquela professora. Conseguia que todos quiséssemos aprender a ler e a escrever e, ainda por cima, nos portássemos bem. Claro que era isso, ou morrer de tédio, enquanto estávamos… calados, a “ler” livros de contos. E, se por acaso “saíssemos da linha”, também não nos adiantava de nada! Nunca, por tal, a professora se alteraria. Ora, se era para ninguém se “chatear”, que piada teria portarmo-nos mal?
Talvez fosse fruto dos tempos, mas dessa altura não me lembro de ninguém a queixar-se, nessa altura, da escola. Nem da escola a queixar-se de ninguém. Acho que cada um sabia bem o que esperar do outro e agia em conformidade. Não se criavam expetativas, ninguém saía frustrado. Os “burros” não tinham nascido para estas coisas, investia-se nos “espertos”. Mais tarde, os “burros” haveriam de acabar nas obras e os “espertos” nos escritórios. Simples: cada um era para o que nascia! Não que não continue, exactamente, a ser assim. Mas agora deram todos em queixar-se uns dos outros, porque (vá lá saber-se a causa) ninguém quer ir para as obras e, parece-me, muito menos para os escritórios. Ou seja, já ninguém está para ser “burro” e, sem “burros”, já se viu, acabam-se os “espertos”. Ora se ninguém se define, isto só pode dar numa confusão que nunca mais acaba! Ele é a escola a queixar-se dos alunos, dos pais dos ditos e vice versa. Ele é os professores a queixarem-se da escola e a escola dos professores. Quando não se queixam uns dos outros, juntam-se todos a queixar-se dos tempos de agora, das mazelas políticas e ousadias tecnológicas com que se embrulha a garotada.
Caso para pensar, se não fosse o passarmos agosto a levar com a “festa do regresso às aulas”, o fim das férias haveria de nos parecer um funeral. Com pais, alunos e professores a fungar pelos cantos e diretores à beira de um ataque de nervos. Por mim, só penso: valham-nos o metilfenidato e bromazepam!
Por: Fidélia Pissarra
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