Historicamente, o Iberismo não pode ser visto – e o mesmo acontece hoje em dia, aliás – como património ideológico exclusivo de um determinado sector político. Se é certo que a ubérrima “Geração de 70” reivindicou com propriedade o Iberismo como parte inalienável do seu agregado espiritual (não esqueçamos que Antero de Quental, que já se havia pronunciado sobre a temática – abriu as ribombantes “Conferências do Casino” com a célebre “Causa da decadência dos povos peninsulares”; e que a “História da Civilização Ibérica”, de Oliveira Martins (1879), ainda hoje assume foros matriciais do dito “Iberismo Cultural” repartido com Menéndez Pelayo) o certo é que a geração não menos revolucionária que a precedeu – a de Garrett, Herculano e Mouzinho (o primeiro não descartava em “Balança da Europa” (1830) um modelo federativo negociado) – se abalançou depois em reavivar os brios pátrios para digladiar os sectores políticos mais conservadores que idealizavam uma união ibérica com base num eventual conúbio entre D. Pedro V e D. Isabel de Espanha. Do outro lado da fronteira, governantes como Juan Prim y Prats (vulto da Primeira Guerra Carlista (1833-1840) assassinado em 1870) e Francesc Pi i Margall (primeiro presidente da I República Espanhola,1873), bem como vários componentes da intelectualidade do tempo – entre eles Pedro Asensio e Juan de La Rosa González – foram promotores apaixonados do iberismo. Entre nós o ícone venerável do pensamento iberista, Santo Antero – como lhe chamou para todo o sempre Eça – veria não tarde esvair-se-lhe de todo o sonho da pátria peninsular, artificiosamente estribada no modelo do federalismo proudhoniano… Mutatis mutandis, aquando da proclamação da República em Portugal, em 1910, os protagonistas do novel regime mostraram-se hostis a qualquer propósito iberista (Magalhães Lima chamou-o «un grand ennemi») e foram curiosamente os tradicionalistas, como Fidelino de Figueiredo e António Sardinha (mormente este último), a invocar a «unidade hispânica» e a «aliança peninsular», com o beneplácito de Ramiro de Maeztu que lhe enalteceu o «patriotismo hispânico». Em suma: o Iberismo não foi apanágio de nenhum quadrante de pensamento em exclusivo; no fundo – e quando muito – serviu interesses ideológicos.
Neste corolário, é hoje tempo de encarar sem preconceitos o todo ibérico até porque como escreve Eduardo Lourenço, «o iberismo não precisa de ser uma ideologia; ibéricos somos nós (…). Somos ibéricos por geografia e porque pertencemos a uma civilização que a romanidade instaurou». Cultivar a “Ibericidade” – um termo tão caro a Natália Correia – é promover uma dualidade imanente a uma cultura siamesa resultante do «movimento centrípeto de Espanha e centrífugo atlantista de Portugal». E se assumimos o iberismo e o anti-iberismo como parte do processo histórico, melhor entenderemos a nossa autonomia comprometida com a unidade. A autora de “Todos somos hispanos” (1988) conclui que aquilo que a História «caprichosamente pariu foi uma Hispânia espanhola e uma Hispânia portuguesa». Espanha ficou assim castrada atlanticamente e Portugal castrado mediterraneamente. Urge, pois, ser fautores dessa Hispânia nova, como a pensou Unamuno – que amou Portugal da mesma forma que amou a cidade da Guarda, ou seja, nos seus mistérios e brumas, nas suas contradições e descontinuidades – no fundo uma Ibericidade «espiritual» e assente na «vontade» comum, ainda que tal desígnio faça parte de um caminho desafiante e escarpado, mas que é imperioso percorrer desde já.
Por: João Mendes Rosa
* Escritor
N.R.: Natural da Guarda (1968), João Mendes Rosa inicia nesta edição uma colaboração mensal com O INTERIOR. É licenciado em História e Artes Visuais, mestre em Arqueologia e doutorando em Pré-história, Historia Antiga e Arqueologia na Universidade de Salamanca, em cuja Faculdade de Geografia e História é investigador desde 2005. É autor de mais de uma trintena de livros e fundou o Museu Arqueológico do Fundão, o Centro Museológico António Guterres (Domus Mundi), o Centro de Interpretação da Arte Rupestre do Zêzere, a Casa-Museu D. João de Oliveira Matos, entre outros. Como arqueólogo dirigiu as escavações das termas romanas do Ervedal (Castelo Novo, Fundão) entre 2007 e 2016, sendo diretor do Museu do Fundão por igual período. Tem sido curador de artes plásticas e realizou exposições individuais de pintura de norte a sul do país. É, desde 2016, diretor do Museu da Guarda.