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Tragédias e fraquezas

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1. “Destino trágico” é a expressão de irreversibilidade que ouvimos por estes dias, por entre os arremessos de culpas relativas aos incêndios. O destino é o lado B da incomensurável pequenez do homem que qualquer bafo derruba, que afinal não reconhece aquilo que fez na natureza, hoje completamente “humanizada” (às vezes estragada) e que resiste com vagos subterfúgios a mudar a sua atuação, apesar das evidências do que realmente está a acontecer. O destino é assim utilizado como uma inevitabilidade que se aceita e para a qual se transfere a dor e o trauma, ao mesmo tempo que tem lugar a recuperação.

As tragédias clássicas revelam-nos mais do que a simples desgraça traçada pelo destino. Uma heroína como “Antígona”, de Sófocles, consegue encerrar dentro de si todo o voluntarismo que valorizamos no ser humano. Ela não se importa do seu futuro e da sobrevivência, interessa-lhe é obedecer a princípios, dos quais não se desvia um milímetro. Quando é confrontada com a necessidade de respeitar o poder estabelecido, não se importa de se oferecer à morte para que a dignidade de dar sepultura ao irmão seja um direito a que não se pode renunciar, mesmo se a lei humana lho impede, sendo a lei dos deuses (não escrita) superior à dos homens: «Que lei divina transgredi?», pergunta ela. Do outro lado, Creonte é a figura do poder no seu labirinto/ casulo, confrontado com uma lei que ele próprio criou, que a cidade contesta mas aceita com reverência ao poder. Na “Antígona”, de Sófocles, Creonte é a imagem da tirania contra a força da razão de Antígona; na versão de Jean Anouilh, Creonte queixa-se por seu lado de ser poder e da solidão de quem manda. Alguém tem que mandar para impedir a selvajaria da sociedade abandonada a si própria. E Antígona não quer compreender isso e desafia Creonte, que quer salvá-la, a matá-la já que ela não pode deixar de fazer o que tem de fazer. A tragédia está em que Creonte se arrepende quando já é tarde demais e Antígona não pode, nem que queira, fugir ao seu destino.

O desapego da vida em nome de princípios, fundamental para Antígona, é coisa que não podemos entender hoje numa sociedade de conforto em que valorizamos a vida e todas as condições e truques que a podem prolongar, sem sequer admitir perdê-la por dignidade. Antígona é capaz de dizer que a vida não se suporta a qualquer custo: «Vivo no meio das maiores atrocidades, como não há de a morte ser um bem?». Ou é mesmo aceitável viver num pântano?

2.Catástrofe e tragédia chocam com jornalismo porque mexem com emoções, que por princípio afetam a apreciação tranquila dos chamados factos, primeiro pelos jornalistas, depois pelos leitores ou espectadores. Judite de Sousa (JS), a “má da fita” nos incêndios de Pedrógão pela reportagem (pelo menos imprudente) junto a um cadáver, faz parte de uma estação de TV que a vai triturando com gosto e à qual JS se vai ajustando sem resistência. Passar de jornalista a vedeta tem custos e rouba discernimento. Melhor seria que a referida jornalista se limitasse a ser pivô de telejornal do que vir cá para fora chamar a atenção sobre si própria: uma espécie de jornalista que vem ao terreno “de saltos altos”. E que dizer da própria JS a anunciar no telejornal os prémios em que foi contemplada na gala da TVI, incluindo o galardão que criou com o nome do seu filho? É muito difícil de perceber que nesse dia, em que o seu nome era tema de notícia no seu telejornal, não devia ser JS a apresentar o noticiário? O que não faltam são pivôs na TVI! Assim pareceu autopromoção e deu pena. Há dias, na entrevista ao primeiro-ministro (PM) no seu telejornal, JS quis acabar com chave de ouro perguntando-lhe e insistindo se ia ele próprio ao funeral do bombeiro falecido no incêndio. Perante a resposta de que a representação do Estado seria ajustada entre o Governo e o Presidente, JS, com pose dramática, insistiu uma e mais vezes. Como se coubesse a JS o julgamento moral do PM, eventualmente classificado como salafrário se não fosse ao funeral e se fizesse representar. Quando o jornalista sente que tem poder e o utiliza desta maneira, para humilhar e condicionar o poder, estamos mal, muito mal, com o populismo à solta.

Mas quem se admira desta e de outras estações de TV que continuamente utilizam a informação como entretenimento, promovendo nos telejornais as vedetas como Ronaldo ou Tony Carreira e outros para elas depois lhes cederem declarações ou atuações em exclusivo? Basta ver a superficialidade e o alinhamento dos telejornais para comprovar que ali qualquer informação tem que “entreter”, pelo choque ou pela frivolidade, ou pela simples vulgarização da reportagem “simpática” que nada quer saber, como quando se pergunta a um aldeão: “Como é que faz para combater este calor tórrido?”. Basta ver também a lamentável transmissão do espetáculo de beneficência do MEO Arena, em que cada estação não transmitia as pequenas entrevistas aos artistas quando não eram os seus profissionais a fazer as perguntas, passando a emissão para os bastidores ou para o exterior, onde tinham as “vedetas” preparadas a explorar a noite. Há melhor atestado de menoridade?

(“Antígona”, de Sófocles; “Antígona”, de Jean Anouilh)

Por: Joaquim Igreja

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