A dívida da Câmara da Guarda à Águas de Portugal (AdP) agitou a última Assembleia Municipal, onde PSD e PS subiram à tribuna para pedir contas ao executivo.
O social-democrata Tiago Gonçalves foi o primeiro a abordar o assunto no período de antes da ordem do dia, tendo pedido ao presidente da Câmara uma «radiografia completa» do caso. Pelo meio, o deputado criticou o vereador socialista Joaquim Carreira pelas acusações de «contabilidade criativa e manipulação contabilística» feitas no final da reunião de Câmara. «Quem diz isso afirma que há ilegalidades no município e como tal só tem um caminho, que é apresentar queixa. Lançar suspeições sobre pessoas e ficar quieto é uma manobra da mais baixa política», acusou Tiago Gonçalves. Álvaro Amaro respondeu dizendo que «a dívida aceite pela Câmara da Guarda é de 13,1 milhões de euros» e que os créditos reclamados pelo município são «da ordem dos 5,4 milhões de euros» e devem-se a «obras feitas pelos SMAS que deviam ter sido realizadas pela empresa multimunicipal e por outras que não foram feitas». O autarca acrescentou que no final de 2016 havia 5,4 milhões de euros – 7,3 milhões em junho deste ano – em depósito para pagar à AdP e adiantou que o atual executivo herdou para esse efeito «358 mil euros» dos seus antecessores.
«Mas havia lá mais dinheiro, pois, em 2013, foram transferidos 400 mil euros dos SMAS para a Câmara pagar salários», denunciou Álvaro Amaro, revelando ainda que neste mandato foram pagos 5,4 milhões de euros em “factoring” dos Serviços Municipalizados. Reiterando que a Águas do Vale do Tejo ainda não informou oficialmente do valor da dívida, o edil estima que o município só terá de pagar 7,7 milhões de euros se ganhar o litígio em tribunal. «É a diferença entre o que entendemos dever e o que a empresa multimunicipal nos deve», disse. E afirmou estar disponível para quaisquer auditorias, «não a estes quatro anos, mas aos últimos vinte porque é lá que tudo começa e quero saber onde foi gasto o dinheiro cobrado aos munícipes antes de mim e comigo».
O assunto voltou na discussão da prestação de contas consolidadas, com o socialista António Monteirinho a atirar, com ironia, que a Guarda «já tinha alguns recordes, o da cobrança de impostos, da água, e agora temos um nacional, o da dívida à AdP». Na sua intervenção, o deputado afirmou mesmo que a empresa que gere o sistema até teria «legitimidade» para cortar o abastecimento, «tal como fazem os SMAS quando os consumidores não pagam». O eleito do PS debruçou-se depois sobre as contas e apurou que neste mandato a cobrança da água e o saneamento renderam «cerca de 22 milhões de euros», tendo perguntado «se cobrou e só tem 5 milhões, onde estão os restantes 16,5 milhões?».
António Monteirinho verificou também que as provisões para riscos e encargos dos SMAS «cresceram nos últimos quatro anos de cerca de 3 milhões, em 2013, para 11,5 nas contas consolidadas de 2016». Mas as contas não se ficaram por aqui, com o deputado a juntar mais números: «Se aos 16,5 milhões de euros somarmos os 8,4 milhões deste aumento, temos 24,9 milhões de euros. Se somarmos as provisões constituídas e a dívida real que conhecemos através dos jornais, e que não foi desmentida, de 25,7 milhões, temos uma diferença de cerca de 16 milhões», declarou. E rematou dizendo que «as diferenças entre as receitas cobradas de água, as provisões constituídas e a dívida real, estamos perante um número colossal: 41,4 milhões de euros. Assim talvez se compreenda a tão propalada recuperação financeira da Câmara».
Álvaro Amaro não gostou das contas do socialista e muito menos a alusão ao corte do fornecimento de água. «Como é possível? O que disse deixa-me de boca aberta. Espero que os guardenses oiçam isto para que não votem em vós nas próximas eleições», afirmou. De resto, o presidente da Câmara reiterou que «não manipula contas» e que os SMAS vivem com «o que compram e vendem», pois a Câmara «não transfere nenhuma verba para lá». No final, as contas consolidadas do município de 2016 foram aprovadas por maioria, com os votos a favor de PSD, CDS e presidentes de Junta, três abstenções (CDU e BE) e onze votos contra do PS.
Guarda candidata-se a Capital Europeia da Cultura
Álvaro Amaro aproveitou a sessão para anunciar que a Câmara vai candidatar a Guarda a Capital Europeia da Cultura de 2027, cuja decisão será conhecida em 2021.
«Vamos criar uma comissão técnica para formalizar a candidatura e estou disposto a investir para termos a melhor candidatura», disse o presidente, tendo logo convidado Carvalho Rodrigues para a integrar. O edil sublinhou ainda que «devemos ter a mesma ambição de Faro, Coimbra, Braga, Guimarães ou Leiria» e que para dar um «âmbito transfronteiriço» à proposta serão encetados contactos com a Universidade de Salamanca e a UBI. Duas cidades dos estados-membros da União Europeia são escolhidas para Capital Europeia da Cultura por uma ordem previamente estabelecida, cabendo a Portugal e à Letónia indicar as Capitais de 2027. Portugal já teve três cidades com essa designação: Lisboa (1994), Porto (2001) e Guimarães (2012).
Antes da ordem do dia
Nesta sessão, António Saraiva (PS) quis saber como está o caso da «ocupação indevida» de um terreno da Associação Comercial por uma obra da Câmara e também por que é as obras em curso na cidade são «desdobradas» em duas fases. «É para as empreitadas serem mais facilmente entregues? Ou mudaram as regras da CCDRC?», interrogou. Na sua intervenção, o socialista perguntou a que se deve o alcatroamento de percursos no parque urbano do Rio Diz, lembrando que o Plano de Pormenor daquela área de lazer «proibia a impermeabilização de qualquer espaço».
Já Carlos Canhoto (CDU) perguntou pelos critérios de seleção dos artistas que participaram no SIAC e Marco Loureiro (BE) sublinhou que «é preciso acabar com o abuso do ajuste direto em obras e compras, pois isso fortalece o tráfico de influências». O deputado também abordou o alcatroamento de vias no Polis: «Requalificar sim, estragar o que de melhor outro executivo deixou, isso não», interpelou Marco Loureiro. Por sua vez, Quelhas Gaspar (PS) recomendou à Câmara a criação de um plano de reabilitação e revitalização do centro histórico.
Álvaro Amaro respondeu a António Saraiva dizendo que, no caso da ACG, estão em causa «20 metros» e que desconhece qualquer ação em tribunal. Quanto aos desdobramentos dos concursos nas empreitadas, acontecem «por causa do financiamento», justificou. Relativamente ao parque urbano, o presidente declarou que, «quando a obra chegar ao fim, falamos».
Luis Martins